Recuperação do Rio Doce precisa avaliar mudança climática, diz estudo
Por Cristina Indio do Brasil - repórter da Agência Brasil
Fonte: Agência Brasil
Publicado 15/06/2025 11:02
Recuperação do Rio Doce precisa avaliar mudança climática, diz estudo (Fotos: Agência Brasil)
As iniciativas desenvolvidas atualmente para restaurar o curso de água que banha os estados de Minas Gerais e Espírito Santo, na Bacia do Rio Doce, podem não ser eficazes a longo prazo, caso os cenários climáticos futuros não sejam considerados. O alerta foi feito na pesquisa Adaptative Restoration Planning to Enhance Water Security in a Changing Climate, do Laboratório de Ecologia e Conservação de Ecossistemas (LECE) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), publicada em abril na revista internacional Ambio.
A pesquisa indica que, dependendo do impacto das mudanças climáticas sobre a erosão nas margens da bacia, devem ser alteradas as prioridades no trabalho de restauração ecológica, para minimizar a quantidade de sedimentos que serão levados rio abaixo e preservar a qualidade da água.
O trabalho foi desenvolvido no mestrado do biólogo Luiz Conrado Silva, no Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Evolução da Uerj, e usou a Bacia do Rio Doce como estudo de caso para realizar uma análise de como a recuperação da vegetação nativa nas margens dos rios, prevista pela Lei de Proteção a Vegetação Nativa (LPVN) de 2012, poderia influenciar a qualidade da água diante de diferentes cenários climáticos projetados para 2070. A metodologia utilizada foi a de Avaliação Integrada de Serviços Ecossistêmicos (InVEST), desenvolvida pela Universidade de Stanford, com a orientação da professora do Departamento de Ecologia da Uerj, a bióloga Aliny Pires.
Rompimento de barragens
O rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), que liberou cerca de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro e provocou devastação ambiental e social na região, completa dez anos em 2025. O desastre, no dia 5 de novembro de 2015, resultou nas mortes de 19 pessoas e impactos em diversas comunidades ao longo da bacia. Em 25 de janeiro de 2019, outro rompimento de barragem, desta vez, em Brumadinho (MG), agravou os danos ambientais e sociais na região da bacia do Rio Doce. Pelos cálculos dos especialistas, cerca de 2,2 milhões de pessoas dependem das águas da bacia.
A intenção da pesquisa foi identificar benefícios da restauração ecológica para a qualidade da água, considerado o principal componente atingido pelo rompimento da barragem de Fundão. Para recuperar os danos e a destruição de ecossistemas, além de restabelecer a estrutura, a função e a biodiversidade do ambiente, segundo os autores, a restauração ecológica é uma resposta ativa à degradação ambiental. Eles indicaram que o plantio de espécies nativas, a recuperação de áreas impactadas com eventos de queimada e a criação de corredores ecológicos, estão entre exemplos de procedimentos recomendados.
Apesar disso, na visão dos pesquisadores, a ausência de uma abordagem climática no processo de restauração pode comprometer iniciativas dos projetos. Conforme a avaliação, sem levar em conta os impactos futuros do clima, o que se espera hoje da restauração pode não se confirmar ao longo dos anos. A professora acrescentou que, em termos de estratégias, é preciso olhar para as áreas que estão mais conservadas e que, eventualmente, são negligenciadas no processo de restauração, como áreas fundamentais para serem incluídas nessa perspectiva.
“Duas coisas a gente acha fundamentais: a primeira delas é restaurar as áreas degradadas da porção alta da Bacia do Rio Doce e a segunda é conservar as áreas que estão presentes dentro ela”, indicou a bióloga em entrevista à Agência Brasil.
Aliny Pires vê com satisfação a discussão de algumas iniciativas voltadas para o estabelecimento de unidades de conservação nessa porção do Rio. “Isso pode ter um benefício enorme, porque, além da restauração, a gente tem que garantir que a vegetação nativa presente nesses territórios não seja desmatada. Essa é uma informação em que a gente espera que a nossa pesquisa subsidie a tomada de decisão, para que a gente consiga proteger o alto Rio Doce e garantir que os benefícios que essa região pode trazer para a qualidade da água em toda a bacia sejam mantidos, sem deixar de considerar os processos de restauração e as possibilidades e outros benefícios associados na porção média e baixa do Rio”, comentou.
Distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), atingido pelo rompimento de duas barragens de rejeitos da mineradora Samarco Antonio Cruz/ Agência Brasil
Avaliação
De acordo com o estudo, as mudanças climáticas podem intensificar a erosão e aumentar a exportação de sedimentos em até 500 mil toneladas por ano na sub-bacia de Santo Antônio; 345 mil toneladas na de Piracicaba; e 140 mil toneladas na de Piranga. Isso “pode afetar a segurança hídrica das comunidades locais dessas regiões e daquelas localizadas no curso da bacia”.
Outra conclusão da pesquisa indicou que a restauração das margens dos rios pode reduzir em até 90% a exportação de sedimentos para os cursos d'água, melhorando a qualidade da água e contribuindo para a resiliência do ecossistema. No entanto, em áreas como a sub-bacia de Santo Antônio, somente a recuperação das margens previstas pela LPVN não será suficiente. Ali, vai ser preciso “ampliar significativamente” as áreas restauradas para além da região de transição entre ambientes terrestres e aquáticos, a fim de garantir os benefícios ambientais futuramente.
“Nossos resultados mostraram que, com a mudança do clima, a gente prevê um aumento grande na precipitação na porção alta da Bacia do Rio Doce. Com o aumento, mesmo ela tendo áreas menos degradadas, as áreas degradadas existentes vão causar o escoamento de uma quantidade muito grande de sedimentos para dentro do Rio. Isso, ao entrar na Bacia hidrográfica e percorrer todo o Rio Doce, vai comprometer a qualidade da água em toda a sua extensão”, observou a professora.
O estudo apontou ainda que a definição de áreas prioritárias para restauração depende diretamente do cenário climático projetado, que se altera em cinco das oito sub-bacias analisadas, “reforçando a necessidade de incluir essas projeções no planejamento da restauração ecológica a fim de garantir os melhores benefícios no longo prazo”.
A pesquisa de Luiz Conrado foi desenvolvida entre março de 2024 e fevereiro de 2025. O pesquisador atualmente faz doutorado, também na área de Ecologia e Evolução da Uerj. A restauração ecológica sempre foi uma paixão para o biólogo, que gosta de trabalhar com a lógica de ambientes impactados e viu na Bacia do Rio Doce, um contexto muito interessante para aplicar aquilo que já tinha vontade de desenvolver.
“Fazia muito sentido, no contexto da Bacia do Rio Doce, incorporar também uma avaliação climática para achar sinais de restauração e ver como as coisas estavam funcionando espacialmente,”, explicou Luiz Conrado em entrevista à Agência Brasil.
A intenção dele era ajudar a desenvolver uma pesquisa que de fato melhorasse a qualidade de vida das pessoas. “Acho que, no contexto social de degradação que a gente vive, esse é o caminho que eu enxergo de aplicar alguma mudança. Entender como a restauração acontece, pesquisar formas mais eficientes de ela acontecer, pensar em estratégias novas para a mitigação de impacto e para recuperação de áreas degradadas”, apontou.
Protocolo pode ser replicado
A professora acrescentou que não se trata de apontar erros nas medidas que estão em andamento para a reparação da Bacia do Rio Doce. Segundo ela, o que o estudo propõe é apresentar alternativas à priorização das áreas que tem que ser restauradas.
“Não é esse o ponto, não tem nada sendo feito de errado. Mas, talvez, a gente esteja começando pelo lugar que traz menos benefícios no futuro. O que chama atenção é que a gente precisa de medidas complementares, para que tenha uma resposta efetiva.
A expectativa da professora é que as conclusões do estudo possam ser utilizadas em outros ecossistemas degradados. De acordo com ela, além do caso da Bacia do Rio Doce, que é urgente e emblemático para o contexto nacional, é importante destacar que a pesquisa apresenta um protocolo que pode ser replicado em vários outros ambientes de priorização da restauração, considerando serviços ecossistêmicos que são chave para a recuperação de áreas degradadas ou para uso de uma determinada população.
“Quando a gente decide que um serviço ecossistêmico tem um papel-chave dentro de um contexto de recuperação de um ecossistema, a gente pode incorporar o impacto das mudanças climáticas na provisão desses serviços e entender como diferentes cenários de restauração podem ser mais ou menos efetivos nesses diferentes contextos climáticos e, consequentemente, definir estratégias. A gente entende que esse nosso esforço não se restringe à Bacia do Rio Doce, mas apresenta um protocolo que pode ser replicado e aplicado em diferentes contextos”, concluiu.
Aliny disse que eles pretendem levar os resultados da pesquisa para os tomadores de decisões que estejam relacionados aos processos de recuperação do Rio Doce. “A gente está em uma missão de mobilizar todos os atores envolvidos com esta discussão para que essa informação atinja pesquisadores, responsáveis nas mineradoras, ICMBio, estados de Minas Gerais e Espírito Santo para que isso faça sentido e possa ser incorporado”, adiantou.
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