"No lugar em que a gente costumava sempre pegar [cauxi], agora é que ele começou a se recuperar. Mas os cauxis ali são muito pequenos e insuficientes para cortar, queimar e fazer a mistura [com o barro], completou.
Na última semana, ceramistas do povo Waurá estiveram em São Paulo participando de uma série de encontros, oficinas e rodas de conversa. E aproveitaram para fazer um alerta sobre as mudanças climáticas, que não só vem intensificando eventos extremos como enchentes e secas, mas também vem afetando a identidade e tradição de diversos povos.
Isso tudo é muito preocupante. A gente se preocupa muito com o avanço do desmatamento em volta do Xingu. Nunca imaginamos que isso afetaria a produção de panelinha [as cerâmicas Waurá]. A gente sempre se preocupou se esse conhecimento se perderia com o tempo. Mas a gente nunca pensou que chegaria esse momento de sermos afetados pelas mudanças climáticas. O povo Waurá vive do que a natureza oferece. Só que a gente está pagando o preço e as consequências do mal que os outros fazem à natureza, alertou Yakuwipu. Infelizmente, vocês não cuidam [do meio ambiente]. Vocês só abusam da natureza, reforçou.
Como a falta de cauxi afeta a produção de panelinhas, consequentemente isso também vem trazendo reflexos sobre a identidade e a renda dessa população indígena, que comercializa essas cerâmicas.
Estamos ameaçados, tanto culturalmente quanto também na renda, destacou a liderança indígena. Todas as peças que a gente produz são relacionadas aos materiais que estão em volta da gente, como os animais, os pássaros e os peixes. Além disso, [as cerâmicas] são pedaços de nossas histórias, são memórias. Através de cada peça, a gente tem contado do [nosso] passado e da [nossa] cultura também. Cada pintura que fazemos, por meio dessas linhas, nos mantêm conectados ao passado, ao presente e ao futuro.
Em entrevista à Agência Brasil, no Espaço Floresta do Centro, do Instituto Socioambiental, no centro da capital paulista, Yakuwipu disse que, além da produção das cerâmicas, as mudanças climáticas também vem dificultando a produção de alimentos dos povos indígenas. Em 2023, não conseguimos plantar uma grande escala de mandioca. Eu replantei três vezes, e a mandioca cresceu toda pequena. E a gente não conseguiu plantar milho, perdemos todas as sementes. Também não conseguimos plantar bananas.
COP 30 em Belém
Para a líder indígena, esse cenário reforça a urgência dos debates da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 30), que será realizada em Belém, de 10 a 21 de novembro. Para ela, é importante que as autoridades ouçam as vozes indígenas e que os fazendeiros deixem de desmatar as florestas.
Os xinguanos [habitantes do Xingu] precisam ser consultados sobre todas as obras que vão ser construídas em volta do Xingu, porque a gente já tem uma experiência em relação à [usina] PCH Paranatinga II, que foi construída sem estudo nenhum. As autoridades falaram que ela não ia afetar a vida da gente, mas, passados dez anos, ela que foi responsável por secar o Rio Xingu. Para evitar [os desastres ambientais], é preciso que as autoridades nos respeitem, porque o rio e a floresta respiram como nós, destacou Yakuwipu.
Para Karina Araújo, analista de pesquisa social do Programa Xingu do Instituto Socioambiental, é fundamental que os povos indígenas sejam ouvidos sobre os projetos de infraestrutura do país e também sobre ações que possam impedir o desmatamento e as queimadas na região.
Acho que essa consulta livre, prévia e informada é um tipo de solução. Se você vai fazer um empreendimento sem ouvir os povos indígenas, você vai afetar não só os povos indígenas, você vai afetar todo o entorno e as gerações futuras. Quando a gente ouve os povos indígenas, eles estão fazendo a mitigação e a adaptação. A gente sabe que, no entorno do Parque Indígena do Xingu, temos muita produção de soja. É preciso que as autoridades dos países que compram essa soja vejam como são também responsáveis por afetar esse equilíbrio ambiental, falou.
Karina disse ter muita esperança sobre a participação dos povos indígenas na COP 30. Além do evento acontecer no Brasil, ele acontece aqui nesse momento político em que temos o Ministério dos Povos Indígenas. A gente tem organizações indígenas muito fortalecidas por esse ministério e por toda uma mudança, vamos dizer assim, de financiadores. Atualmente, temos muito mais financiadores ou empresas financiando diretamente as associações e organizações indígenas. Isso aumenta o protagonismo dos indígenas, disse ela. Então, eu espero que tanto o governo brasileiro como os governos de outros países se coloquem em escuta [aos apelos indígenas].
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