Povos Kayapo, Munduruku, Kayapó Panará, Borari, Tupinambá, Xipaya, Arapiun, quilombolas, sem terra, sem teto, sem direitos, periféricos, agricultores, pescadores, extrativistas, ribeirinhos. Os povos.

Aqueles que não ocupam lugares de destaque e espaços de decisão na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30) saíram unidos nesta quarta-feira (12), em uma barqueata pelas águas da Baía do Guajará, em Belém.

A manifestação marca o início da Cúpula dos Povos, evento que acontece na sede da Universidade Federal do Pará (UFPA), entre os dias 12 e 16 de novembro, em paralelo à COP30. O ato também conclui a Caravana da Resposta, que saiu de Sinop, no Mato Grosso, em 8 de novembro, e chegou a Belém, no último dia 10.

No trajeto pelas terras e rios do país, os diferentes povos percorreram o chamado corredor da soja e denunciaram os impactos do agronegócio e das grandes obras de infraestrutura, como a Ferrogrão e as hidrovias do Arco Norte, sobre territórios e vidas tradicionais.

Os povos se encontraram para reunir vozes, demandas e forças. Em comum, trazem o lema "a resposta somos nós". Uma reivindicação por escuta, respeito e soberania popular.

Os povos indígenas estão lutando desde o início. Temos que ser respeitados, valorizados, conforme a nossa cultura. Então, a resposta somos nós, disse o líder indígena Bepmoroi Metuktire, de Mato Grosso, membro da articulação do Instituto Raoni.

Durante a Caravana, tivemos essa conexão e união com outros parentes nossos que estão enfrentando vários tipos de ameaças dentro dos territórios deles. E são ameaças iguais às que nós enfrentamos também. Então, precisamos juntar forças para lutar e defender nossos territórios, complementou.

Acompanhe a cobertura completa da EBC na COP30 

A manifestação reuniu mais de 200 embarcações, com cerca de 5 mil pessoas, segundo os organizadores. Dentro da barca principal, que reuniu movimentos sociais e jornalistas, povos tradicionais se apresentaram com músicas, poesias e compartilharam as principais bandeiras de luta. Entre um balanço e outro do rio, as vozes foram ganhando mais volume.

 

 Barqueata da Cúpula dos Povos, liderada pela "Caravana da Resposta", na Baía do Guajará, em Belém, em ato pela Amazônia e pela justiça climática, durante a COP 30. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Quilombolas

Da comunidade kilombola (grafia com K, conforme uso local) Morada da Paz, território de Mãe Preta, no Rio Grande do Sul, veio Kahamy Ãdetta, que exerce a função religiosa Íyá Ekedi na Nação Muzunguê.

Ela lista uma quantidade grande de ameaças que os quilombolas enfrentam por conta de um pretenso desenvolvimento econômico liderado por empresários e políticos.

Exigimos o direito à consulta prévia, livre, informada e de boa fé para todas as comunidades tradicionais, para todos os territórios indígenas ameaçados e já atingidos por empreendimentos de infraestrutura, pela mineração e empreendimentos imobiliários, assim como ampliação de estradas, que desrespeitam a soberania dos povos, a soberania da terra, soberania da água, disse.

Kahamy destaca como os quilombolas e comunidades periféricas são especialmente atingidas pelas mudanças climáticas, provocadas pelas emissões de gases do efeito estufa.

Só reconhecemos a possibilidade da vida, se a água, se a terra, se o ar são puros. E se temos o direito de ser e de viver como queremos. Lá na Figueira Negra, no Rio Grande do Sul, por exemplo, nós estamos em uma área que está sendo ameaçada pela ampliação de uma rodovia federal. E nós estamos cercados pelo plantio de monocultura de acácia e de eucalipto, disse a líder quilombola.

Como nós somos uma das únicas áreas de mata nativa e com água pura, todos os animais vêm para o nosso território. Então, em períodos de plantio extenso e de pulverização de agrotóxico, o ar que gente respira e que os animais respiram fica contaminado. Muitos morrem.

 

Barqueata da Cúpula dos Povos, liderada pela "Caravana da Resposta", na Baía do Guajará, em Belém, em ato pela Amazônia e pela justiça climática, durante a COP 30. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Pescadores e ribeirinhos

Do município de Prainha, no Pará, veio Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP). Rosângela Santos Vieira, coordenadora do movimento e multiplicadora de mulheres, explica que o principal objetivo do grupo é discutir os impactos da crise climática que afetam a atividade com os peixes.

Rosângela conta que lida com um câncer de pele desde 2005 e não pode mais pescar por causa da exposição ao sol. Desde então, ela tem se engajado mais no movimento de pescadores. E destaca como a crise climática tem afetado a saúde de todos.

Nós, pescadores, estamos vivendo uma crise com a escassez dos peixes por causa da seca e da invasão dos madeireiros em nossos territórios. Os madeireiros têm invadido nossas áreas, desmatando as nascentes e causando secas nos rios, o que mata os peixes e prejudica nossa sobrevivência. Essa situação afetou principalmente o acari, peixe que sempre foi a base da nossa pesca e do nosso sustento, disse Rosângela.

A maior parte do povo pescador pescava o acari. Hoje, para sobreviver, estamos pescando camarão, que não era a nossa atividade. Com o nosso movimento, estamos conseguindo envolver mais pessoas no MPP, para que possamos lutar por uma alimentação saudável e rios sem poluição, complementou.

 

Barqueata da Cúpula dos Povos, liderada pela "Caravana da Resposta", na Baía do Guajará, em Belém, em ato pela Amazônia e pela justiça climática, durante a COP 30. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Mulheres agricultoras

De Santarém, no Pará, vieram representantes do Coletivo Muvuca, a Associação de Mulheres da Agroecologia do Tapajós. Elas lutam por uma agricultura ancestral e sem veneno. Há, no movimento, gestoras ambientais, agrônomas e técnicas do meio ambiente.

Ana Karina Barbosa coordena o movimento e presta serviços relacionados à formação sobre ancestralidade, resgate dos saberes dos povos na agricultura e na produção de alimentação saudável. Ela denuncia o avanço da monocultura na região de Santarém, o que prejudica as populações tradicionais ao redor.

Onde vivemos se tornou um polo especialmente da soja. Isso devastou várias comunidades e expulsou famílias inteiras de seus territórios, além de afetar a saúde dos comunitários e de todos que vivem na região".

"Quem leva esse modelo de produção para lá não tem relação com o território, não participa da vida comunitária e, por isso, não sente os impactos diretos. Mas quem sofre são justamente os verdadeiros donos da terra.

A expansão da soja aconteceu de forma tão intensa que causou impactos sociais e culturais profundos. Muitas populações perderam suas referências culturais e modos de vida, sendo forçadas a migrar para as cidades ou para outros lugares que não são seus territórios de origem.

Movimentos feministas

Da região dos Pampas, no Rio Grande do Sul, vieram representantes de três organizações que conectam lutas feministas e ambientais: Amigas da Terra Brasil, Marcha Mundial das Mulheres e Periferia Feministas.

Anne Moraes, socióloga, é uma das líderes dessa aliança, que surgiu durante a pandemia da covid-19. Ela vê a COP30 como uma oportunidade especial de compartilhar com outros movimentos sociais as dificuldades e soluções vindas dos territórios que ocupam.

Os movimentos que represento lutam por justiça climática, soberania alimentar e uma transição justa. Nosso trabalho inclui hortas comunitárias e cozinhas solidárias nas periferias, conectando o cuidado com as pessoas e com o meio ambiente, disse Anne.

Sofremos muito com as enchentes no Rio Grande do Sul. A ação dos movimentos sociais foi fundamental para acolher a população, porque os governos não apresentaram planos de mitigação ou proteção naquele momento. Conectar o debate sobre emergência climática com uma perspectiva feminista e popular é essencial, pois as mulheres estão na linha de frente tanto das crises quanto das soluções, complementou.

 

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