Nos rios e matas do Xingu, na liderança de cargo político ou no tapete vermelho de Hollywood, a cacica Juma Xipaia mantém uma trajetória de coerência, mesmo que com diferentes tipos de linguagem: luta pelos direitos dos povos e para proteger a biodiversidade da Amazônia.

Recentemente, o nome de Juma tem recebido destaque por causa do documentário Yanuni, coproduzido por ela ao lado de Leonardo DiCaprio. O filme tem recebido prêmios no país e no exterior, e tenta uma indicação ao Oscar.

Mas, antes dos cinemas, Juma Xipaia já se destacou como líder da Aldeia Kaarimã, na Terra indígena Xipaya, região do Xingu, no Pará. Ela enfrentou desde cedo os impactos da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. E segue denunciando os impactos sociais e ambientais que megaprojetos semelhantes, como Ferrogrão e a Hidrovia do Tapajós, podem causar para os que vivem na região.

Acompanhe a cobertura completa da EBC na COP30 

Juma foi ainda secretária de Articulação e Promoção de Direitos Indígenas no Ministério dos Povos Indígenas (MPI). E se consolidou à frente da luta pela proteção dos territórios indígenas, enfrentou garimpeiros, grileiros e grandes corporações. Foram várias tentativas de assassinato por sua atuação na defesa da floresta.

Na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), a cacica tem participado ativamente dos debates que envolvem povos originários, movimentos sociais e justiça climática. E coloca como principal bandeira a demarcação dos territórios indígenas, pelo bem do futuro do planeta.

Agência Brasil: Qual o balanço que você faz da COP30 até agora, principalmente em relação às manifestações indígenas?

Juma Xipaia: Essas manifestações já estavam anunciadas, muito em consideração à demarcação dos nossos territórios, que é um processo histórico. Lutamos e reivindicamos muito isso porque não se trata apenas de ter o território, mas de manter a floresta em pé, proteger a biodiversidade e garantir todos os benefícios que nossos territórios oferecem para o mundo  principalmente para o clima.

Além disso, enfrentamos uma violência crescente nos nossos territórios  não só pela especulação imobiliária, mas também pelo garimpo, que continua crescendo. Mesmo com a queda nos índices de desmatamento na Amazônia, isso não significa que o problema acabou. E o problema tampouco se limita à Amazônia.

Precisamos de maior participação indígena de todos os biomas do país. Temos realidades extremamente diferentes de território para território, de bioma para bioma, mas existe um ponto comum que todos reivindicam em uma só voz: a demarcação dos nossos territórios.

 

Juma Xipaia tem participado ativamente dos debates na COP30 que envolvem povos originários, movimentos sociais e justiça climática - Foto: Evelyn Lynam

Agência Brasil: O fato de o evento ocorrer na Amazônia favorece a mobilização dos povos tradicionais e dos movimentos sociais?

Juma Xipaia: Sim, eu vejo tudo isso com bons olhos, porque outros países que sediaram COPs anteriores nem sempre eram democráticos. Em alguns deles, nem mesmo os povos do próprio país podem se manifestar.

Por isso, ver a COP30 acontecendo no coração da Amazônia torna essas manifestações não apenas esperadas, mas um grito de liberdade, um grito de democracia. A COP deve ser um espaço que respeita a democracia, que fomenta e fortalece a democracia no mundo, que garante a liberdade de expressão.

Quando o povo vai às ruas, na COP, em Brasília ou em qualquer parte do mundo, não é uma luta isolada  é uma luta coletiva, por dignidade, por bem-viver. E essa é a forma mais direta e digna de nos expressarmos. Por isso, considero muito válido. E vimos que teve resultado: logo em seguida foi anunciada a demarcação de alguns territórios. Mas fica a pergunta: por que só anunciar e agir depois da manifestação? Por que não fazer isso antes?

Agência Brasil: Aqui, em Belém, você participou de eventos sobre transição energética justa. De que forma debates como esse chegam aos territórios indígenas?

Juma Xipaia: Para o público e para as lideranças que já acompanham essa temática em todas as COPs, é um assunto muito recorrente, cada vez mais falado e discutido.

Mas, quando você olha para o chão do território, eu não vejo os povos indígenas incluídos  e não somente os povos indígenas, mas também os povos tradicionais. Falta inclusão não apenas no debate, mas também nas tomadas de decisão. E isso precisa ser esclarecido, precisa ser dialogado.

Quando você fala sobre transição energética para um parente que está lá no território  para um indígena, para um ribeirinho, para um extrativista  a primeira reação é: O que tu quer dizer com isso? O que isso significa?

Fazer uma discussão tão importante usando linguagens técnicas, desconhecidas para a sociedade, é muito arriscado, porque exclui a grande maioria dessa discussão e das tomadas de decisão. Para mim, não existe transição energética justa e limpa se não houver entendimento, participação, consulta e se ela realmente não for limpa, garantida e acessível para a população.

Agência Brasil: Você teve uma participação de liderança na luta contra a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte no Xingu. Nesse momento, o impacto social e ambiental de outros megaempreendimentos estão em pauta, como a hidrovia no Tapajós e a Ferrogrão. Há semelhanças entre esses processos e da mobilização indígena?

Juma Xipaia: Vejo muita semelhança entre Belo Monte, Belo Sun, a hidrovia, a Ferrogrão. A principal é a não consulta livre, prévia e informada aos povos que habitam essas regiões.

O processo de implementação desses grandes empreendimentos ignora os impactos ambientais, sociais e culturais nesses territórios. Não enxergam as pessoas que ali habitam.

Em relação ao movimento indígena, eu não vejo mais a mesma força, a mesma intensidade como alguns anos atrás. Não porque nós estamos fracos  pelo contrário, a luta, a resistência, continuam.

Mas é devastador quando chega um processo e é executado um projeto como Belo Monte. Ele adoeceu não somente o Rio Xingu. Ele cortou laços familiares, cortou laços sociais, cortou laços de movimento. Então, o impacto que nós sofremos hoje é imensurável.

E, com isso, causou uma divisão dos povos, dos movimentos sociais; causou um enfraquecimento. Esses grandes empreendimentos, o que eles mais trazem, além de tudo, é o enfraquecimento da mobilização social, das organizações sociais de base. Usam a tática do 'dividir para conquistar'.

Mas eu continuo acreditando na força do povo. Eu continuo acreditando na força da natureza. Eu continuo acreditando que vale a pena, sim, continuar essa resistência.

 

Juma Xipaia é protagonista do documentário Yanuni, sobre luta indígena - Foto: Divulgação/Yanuni

Agência Brasil: Nesse contexto de luta, como surge a decisão de produzir o documentário Yanuni ao lado de Leonardo DiCaprio?

Juma Xipaia: Eu aceitei esse projeto do documentário em um momento muito delicado da minha vida, quando, de fato, não queria falar com absolutamente ninguém  vindo de um processo de ameaças, de silenciamento forçado. Mas eu vi que, com Yanuni, teria oportunidade não somente de ecoar a minha voz, mas de todos os povos que trabalham defendendo a floresta com as suas próprias vidas.

Estar no cinema e ter a oportunidade de fazer uma campanha de impacto com o objetivo de chegar até ao Oscar é algo que eu nunca imaginei na minha vida.

Quando olho para o retrocesso dos nossos direitos, a ausência de inúmeras políticas públicas, as invasões e a degradação dos nossos territórios, a violência contra mulheres e meninas em vários contextos e biomas diferentes, não tem como não se envolver, não tem como não lutar, não tem como deixar o cansaço ser maior.

Pensando no coletivo e pensando que essa oportunidade seria para romper camadas, somando com outros filmes indígenas que já foram lançados, Yanuni me fez acreditar que seria necessário encarar esse projeto e o que a gente está fazendo: levando Yanuni pelo mundo e a nossa mensagem que vem do coração da floresta amazônica para o mundo.

Agência Brasil: Além dessas frentes, você também tem o Instituto Juma. Está conseguindo conectar todos esses projetos e lutas?

Juma Xipaia: Com o Instituto Juma, a gente tem conseguido continuar os nossos trabalhos, as nossas ações em defesa não somente do nosso território, mas da floresta e da biodiversidade. A gente tem dado continuidade.

O instituto já existia antes do filme e vai continuar existindo para além da campanha de impacto. E, por isso, eu digo que a história não termina quando o filme acaba: porque nós vamos continuar existindo. O filme é apenas uma vírgula de todo o nosso contexto ancestral e milenar de existência. Ele é um chamado. Ele é um chamado do coração da floresta para o mundo  e nós vamos continuar fazendo o que acreditamos e amamos.

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