Selecionando-se somente um recorte do extenso e detalhado estudo, na BAP sul-mato-grossense o total foi de 3,2 milhões de hectares. No início da análise, as áreas naturais correspondiam a 79% do Pantanal, entrando em declínio até atingir 61% em 2024.
Em seu planalto, o fator preponderante para a perda de 2,1 milhões de ha (40%) de vegetação nativa foi o crescimento de 5,9 vezes da agricultura, principalmente sobre áreas de pastagem. Na planície, o aumento da pastagem no decorrer dos anos resultou na perda de 1,1 milhão de ha de vegetação nativa.
Na BAP do Mato Grosso, a retrogradação ambiental foi ainda mais acelerada. Ao longo de 40 anos, registrou-se uma perda de 3,8 milhões de ha de vegetação nativa, com a porcentagem caindo de 80% em 1985 para 58% em 2024. Em seu planalto, o avanço da agricultura foi também muito agressivo, crescendo 216% (1,2 milhão de ha).
A cultura que se sobressai é a de soja, ocupante de 80% da área total de plantações. A cultura da soja é criticada pelos ambientalistas por ser uma monocultura, isto é, reduzir a diversidade de espécies da fauna e da flora.
Ao todo, são seis as classes de vegetação, formações rochosas e hídricas:
- a formação floresta;
- a formação savânica;
- o afloramento rochoso;
- a porção de água -, que engloba rios, lagos, represas, reservatórios e outros corpos d'água;
- a formação campestre e
- o campo alagado e áreas pantanosa.
Estes dois últimos equivalem a 51% e 3%, totalizando mais da metade (54%) do bioma.
As categorias de interferência humana são a pastagem, que ocupa mais de 2,2 milhões de ha (15%), a agricultura, com mais de 9 mil ha (0,06%) e a urbanização, com alta densidade de edificações e vias, que ocupa quase 6 mil ha (0,03%). A lista é completada pela mineração - aqui não entra o garimpo, e sim a extração de escala industrial -, com 1,5 mil ha (0,01%), a silvicultura, que se dedica ao cultivo de espécies arbóreas usadas para fins comerciais, como eucalipto, atualmente de 407 ha (0,02%), e a aquicultura, de lagos artificiais, que soma 57 ha (0,004%).
Na simplicidade e na força
Leonida de Souza, apelidada de Eliane, tem 58 anos de idade e já se destacou em sua comunidade pelo menos três vezes. Tornou-se, em 2000, a primeira mulher brigadista do Pantanal, após concluir formação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), e é coordenadora da Rede Pantaneira e fundadora da Renascer, uma associação de artesãs.
Modesta, porém, ela menciona que estudou até a 4ª série do ensino fundamental. Nascida em Poconé, no Mato Grosso, município com população de cerca de 31 mil pessoas, e filha de pescador, Eliane tem ascendência quilombola e é também indígena guató, mistura que não deixa de reivindicar e que, justamente por não abrir mão, provoca estremecimentos nas relações com parentes.
Os guató têm diversas peculiaridades em sua história, que falam, por si só, sobre como os brancos os exterminaram. De acordo com o Instituto Socioambiental (ISA), os guató tiveram que deixar sua terra por conta da apropriação de fazendeiros da pecuária, nas décadas de 1940 e 1950, principalmente.
Esse povo, que antes habitava quase todo o sudoeste do estado e as margens dos rios Paraguai e São Lourenço, passou a viver em outros cantos do bioma e nas periferias de cidades como Aquidauana (MS), Cáceres (MT) e Corumbá (MS), onde Eliane foi registrada. Embora fossem apenas retirantes, o Serviço de Proteção aos Índios (SPI), correspondente à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), entendeu a evasão como completa e sinônimo de desaparecimento, classificando o povo guató como extinto.
Em 1976, missionários encontraram guató na periferia de Corumbá, tirando-os dessa categoria da SPI. O ISA ressalta, ainda, que a língua guató já foi considerada isolada, mas que, refletindo melhor, se pode deduzir que antes da dizimação dos colonizadores podem ter existido outros povos originários no Pantanal, informação que não se confirma pela carência de pesquisas com esse foco.
Eliane assume que pessoas de fora da comunidade sugarem tudo que é possível do Pantanal, a persistente desigualdade social e a exploração de sua família sempre a revoltaram. Por isso é que ficou 9 anos longe, mas retornou quando a distância de suas origens ficou insuportável.
"Não consegui viver fora do meu habitat, viver na cidade", resume Eliane, que advoga pela cultura tradicional de seu povo.
A expectativa de Eliane com a primeira ida à zona urbana, com 5 anos de idade, acompanhada da mãe, era grande. Imaginava que teria contato com coisas "esplendorosas". Contudo, sentiu-se mal com os olhares de pessoas com ar de superioridade. Voltou para casa decidida a se alfabetizar e ter uma educação formal. Seus planos de aumentar o nível de escolaridade não tiveram o final esperado, inclusive, por uma gravidez na adolescência, e até hoje sonha em ser especialista em uma área bastante agradável e absorvente da biologia.