Priscila Noernberg, jornalista e mestre em Antropologia Social.

Há alguns anos intelectuais anunciavam o fim do jornal impresso e a decadência da mídia como quarto poder. E também na Academia prenunciavam a defazagem de teorias como a do agenda setting. Com a crise econômica brasileira o que percebemos, no entanto, é justamente o contrário. Quase como uma consequência da ação dos jornais, da televisão, rádios, portais de notícia e revistas, o público reconhece ou desconhece, presta atenção ou negligencia, enfatiza ou descuida de elementos peculiares dos cenários públicos e econômicos.

As pessoas têm disposição para incluir ou excluir dos seus próprios conhecimentos aquilo que os meios de comunicação de massa apresentam ou omitem do seu próprio conteúdo - já apontavam Maxwell McCombs e Donald Shaw. Também, os brasileiros tendem a atribuir importância equivalente em seus discursos (e na sua própria vida) daquela concedida pelos veículos de comunicação aos seus conteúdos, aos acontecimentos, aos problemas, às pessoas.

Em resumo, a teoria do agendamento defende que a mídia teria o poder simbólico de nos dizer sobre o que falar e pautaria nossos relacionamentos. A hipótese do agenda setting não defende, contudo, que a imprensa pretende persuadir. Esta influencia viria, para os teóricos, da dinâmica organizacional das empresas de comunicação, com sua cultura própria e critérios de noticiabilidade.

Mas como ir além da percepção de Maxwell McCombs e Donald Shaw? Que vida é possível viver no contexto de uma sociedade de massa gerida pela expressão de opiniões midiáticas globalizadas? O que nos resta?

Em tempos de crise econômica como a que estamos vivendo no Brasil, numa sociedade espetacularizada, é possível perceber como a opinião pública é determinante - especialmente se observamos o papel fundamental que os meios de comunicação de massa têm tido nos últimos tempos com sua avalanche de informações distorcidas e nada isentas.

Veículos de informação argumentam sobre a necessidade do impeachment, por exemplo, baseados na ideia de que a derrubada de quem está no poder geraria segurança para comprar e consumir. A insegurança criada apresenta formas de vida composta por indivíduos ressentidos, com medo. Neste processo, a linguagem assume uma condição central, pois vivemos uma crise civilizatória e não apenas brasileira nos restando a violência da lei. A vida humana está apreendida pela legitimidade jurídica que a política tem assumido - conduzida pela lógica do custo benefício entre deixar morrer e fazer viver de acordo com os interesses econômicos (internacional ou nacional) em curso.

Em meio a este cenário de crise, o pensador Giorgio Agamben propõe a resistência pela amizade, que é manter aquilo que é humano. Amizade é o que nos resta, aponta o autor. E no tempo que resta também é momento para dizer não e também para abdicar a qualquer imputação a uma vocação, a uma finalidade pré-determinada, a processos de subjetivação que atribuem significado e finalidade existenciais às demasias dos imperativos institucionais e jurídicos que buscam normatizar, vigiar, regulamentar e fazer obedecer a vida em seu conjunto - como apresentados pelos veículos de comunicação de massa que muitas vezes nos pautam.

Parece que estamos vivendo - e os meios de comunicação nos mostram isso diariamente - o fim das utopias e das promessas de transformação social como a condição da humanidade num mundo de justiça e igualdade social. Recebemos diariamente notícias evidenciando a crise de Estados e nações - e no caso em questão, a crise brasileira. Uma crise da capacidade de representação política frente às formas de articulação global de poder. Vemos a propagação de notícias sobre a consolidação da economia como um fim em si mesmo sobrepondo-se às decisões políticas de interesse de povos e nações.

Enquanto a imprensa confundir o seu papel de informar com o de julgar, continuará se apresentando como um ente que atribui para si a função de retirar a humanidade das pessoas. O Brasil vive uma crise e precisa se reinventar para tentar se constituir como civilização; e com o jornalismo não é diferente.

 

Priscila Noernberg,

Jornalista e mestre em Antropologia Social.