Na última semana, dia 19 de julho, o aplicativo de comunicação WhatsApp foi bloqueado no país, novamente. No Brasil, já o quarto episódio dessa saga cômica, para não dizer trágica. O WhatsApp é um aplicativo que possibilita a troca de mensagens sendo um dos apps mais influentes no mercado atual, e que mantém sua base de dados num sistema criptografado "end-to-end", ou seja, só as pessoas que estão na conversa podem ler as mensagens.
A primeira vez que foi determinado o bloqueio no país, ocorreu em fevereiro do ano passado, quando o juiz Luiz de Moura, do Piauí, determinou o bloqueio do aplicativo porque a empresa não estaria colaborando na investigação de crimes envolvendo crianças e adolescentes, mas o fato não chegou a se consumar, pois a decisão foi suspensa por um desembargador do Tribunal de Justiça do Piauí.
O segundo bloqueio do WhatsApp aconteceu em 17 de dezembro de 2015, como represália, novamente porque a empresa negou-se em ceder informações para uma investigação criminal. Dessa vez, solicitado pela justiça de São Paulo, depois de aproximadamente 10 horas o bloqueio também foi suspenso.
A terceira vez, determinada pelo juiz Marcel Montalvão, de Sergipe, ocorreu em 02 de maio desse ano, posterior a solicitação feita à empresa que repassasse informações referentes a uma investigação da Polícia Federal sobre tráfico de drogas. O bloqueio durou cerca de 25 horas mas foi suspenso, pois segundo o desembargador do Tribunal de Justiça de Sergipe, Ricardo Santana de Abreu Lima, a proibição do aplicativo teria causado "caos social em todo o território".
E o último capítulo, ocorreu com a decisão da juíza do Rio de Janeiro, Daniela Barbosa de Souza, após a empresa negar-se em fornecer informações que auxiliassem numa investigação criminal. O bloqueio foi suspenso pelo Presidente do STF, Ricardo Lewandowski. O pedido solicitava a desabilitação da chave de criptografia, o que colocaria em vulnerabilidade as informações dos usuários do aplicativo.
Diante do exposto, é necessário ter bom-senso: até que ponto a configuração sistemática do judiciário pode acompanhar os adventos tecnológicos da nossa geração? Não é de hoje que os aplicativos têm sido utilizados por criminosos que muitas vezes, admitem as práticas ilegais nesses "confessionários virtuais". Os espaços são utilizados facilmente para conversas que vão desde assédio sexual até tráfico de drogas e casos de homicídio, então, como aplicar uma lei em uma "terra sem leis"?
Aliás, são utilizados para vários fins, portanto, é necessário considerar que são ferramentas de negócios lícitos também, sendo importantes e essenciais para o desenrolar de atividades que exijam rapidez e praticidade. Logo, a condenação do uso do aplicativo estaria em dissonância com o nosso tempo. Até porque não foi com a criação dos aplicativos que o crime nasceu, cresceu, e se desenvolveu, as práticas criminosas não poderiam ser evitadas somente com a abnegação do mundo virtual. O que ocorre, é que o "virtualismo" possibilita o acesso às informações que podem servir como provas, ou até mesmo, álibis.
Assim como Santana, percebo que entre bloqueios e desbloqueios a situação do mundo virtual gera um caos social, mas isso é deveras preocupante, porque além da instabilidade entre decisões do judiciário, evidencia-se o fato de como a sociedade brasileira está conectada, e não no sentido mais vívido da palavra, mas na perspectiva de conexões alienadas. Conexões essas que permitem adicionar e remover relações a todo momento, compartilhar informações de todo gênero a cada segundo e "expressar-se politicamente".
Toda vez que o aplicativo era bloqueado, a manifestação das pessoas pleiteava a legitimidade do judiciário, tomando a ferramenta como um ente ora divino e ora infernal, os debates em forma de spot expeliam os sentimentos mais raivosos e confusos dos indivíduos que só não chegavam à vias-de-fato pela proteção de tela. E esses sentimentos conturbados, não são pelos motivos que fizeram o judiciário solicitar as informações, pouco tem a ver com a preocupação pelas investigações, mas partem do pressuposto que incomoda o seu privado: o MEU WhatsApp foi bloqueado. Os gregos que me perdoem, mas a ágora do homem pós-moderno permite mudar o layout e o discurso a todo o momento até que o bloqueiem novamente. Mas isso é só questão de tempo, porque antes que os indivíduos "caiam na real", o aplicativo da discórdia já estará desbloqueado para apaziguar os ânimos.
Cristiélen dos Santos
Acadêmica de Ciências Sociais
Membro do Grupo de Estudos em Giorgio Agamben
Pesquisadora PIVIC - CNPq / "Máquina Antropológica em Agamben"
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