A cada dia que passa se consolida a percepção de que o impeachment da presidente Dilma confirmado em fins de agosto de 2016 se constituiu a partir de um estado de emergência econômico. O capital tem dificuldades de conviver com a democracia, sobretudo em contextos em que vê ameaçado a sua lógica de acumulação. De forma geral, os anos 90 do século XX e, parte da primeira década de século XXI vivenciou o aquecimento da economia mundial e, neste contexto também presenciou a afirmação da economia em sua condição financeirizada. Neste contexto, o Brasil caminhou rumo a implementação das promessas da Constituição de 88 na conformação de um estado de bem-estar social inédito em terras tupiniquins.
Porém, a crise econômica de 2008 atingiu de forma contundente as economias centrais do capitalismo alastrando-se para os países periféricos. Em várias partes do mundo governos foram defenestrados do poder, presidentes, primeiros-ministros caíram, vide o caso de países como Grécia, Itália, Espanha, Paraguai, Honduras, entre outros. Medidas econômicas de austeridade, cortes de investimentos sociais, entre outras medidas tornaram-se rotineiras. Mas, sobretudo alastrou-se o discurso do excesso de Estado, do crescente déficit público, das exigências dos Estados honrarem os contratos de remuneração do capital financeiro. A eficiência e efetualidade da administrabilidade financeira e jurídica da vida biológica dos indivíduos e, das populações (biopolitica) passou a ocupar o centro das atenções das políticas econômicas de governos e estados em âmbito global.
No plano político, marcado pela crise advinda da crise das democracias liberais financeirizadas pós 2008 constata-se o avanço do pensamento reacionário de ultra-direita com manifestação pública de intolerância em relação a avanços sociais, à inclusão de parcelas da população excluídas do acesso a lógica da produção e do consumo, que caracterizaram as sociedades capitalistas no período anterior a referida crise. No Brasil tais fenômenos fizeram suas primeiras aparições públicas em 2013 por meio de passeatas que reuniram nas ruas milhões de indivíduos a demandar a ampliação e garantia de serviços públicos, de efetividade de direitos sociais frente aos visíveis limites de financiamento social por parte do Estado brasileiro.
Assim, no caso brasileiro o espectro da emergência econômica que ronda o mundo imposta pelo capital financeiro reproduziu estruturalmente o autoritarismo político que é marca registrada das elites políticas, jurídicas e econômicas do país desde os primórdios de sua colonização, bem como intensificou contornos conjunturais específicos justificando a implementação do estado de exceção. Sob tais pressupostos destituiu-se um presidente eleito por sufrágio universal e, assumiu seu posto um presidente desprovido de legitimidade e um governo de homens cuja trajetória de relação com a coisa pública apresenta-se duvidosa, senão suspeita. Tal governo impõe ao país uma agenda de desmonte de seu precário estado de bem-estar social em benefício da garantia dos contratos e de generosa remuneração do capital financeiro global.
O autoritarismo é marca registrada da conformação social brasileira. Senhores de engenho, Capitães do mato, Generais, Coronéis, Doutores, Juízes, entre outras denominações são alguns dos personagens que moldaram essa sociedade de castas, reverberando tal condição em linguagem popular, em ditos populares tais como: "Manda quem pode, obedece que tem juízo"; "Aqui cada um sabe seu lugar". O autoritarismo é a expressão e a garantida de privilégios, de vícios privados sobre o interesse público. Tais práticas em intervalos de tempo parecem esvair-se, mas aos primeiros ventos de crise não tardam a se reapresentar, desfilando preconceitos, posições reacionárias, discursos de ódio, de intolerância conflagrando a sociedade em vista a retomada do poder que entende que lhe é de direito e de fato. Neste diapasão nossas crises políticas e institucionais são cíclicas, em intervalos de 20 a 30 anos. Assim, somente no século XX assistimos a cinco crises desta envergadura, salvaguardando as diferenças de contexto político, econômico ente elas: 1937; 1954; 1964; 1992; 2016.
Conjunturalmente diante do estado de emergência econômica tais elites autoritárias e extrativistas, colocam todo seu aparato em funcionamento. Apresentam diuturnamente e midiaticamente uma agenda maniqueísta de desestabilização das instituições e dos poderes. Moralizam a instituto da corrupção, caminho mais fácil de sensibilização das massas ao discurso autoritário. Judicializam a política justificando e legitimando juridicamente o arbítrio de suas ações, implantando um estado de exceção que conduza a derrocada do governo de plantão. Imputam a administração pública a lógica da eficiência e da eficácia da administração privada. Demonizam toda e qualquer visão política que possa se apresentar minimamente oposta aos seus interesses. Perseguem, prendem e caçam lideranças políticas que possam fazer frente a lógica de preservação de seus interesses. Assim, conduzem os fatos e acontecimentos garantindo por mais um ciclo seus interesses privados sobre os interesses públicos.
Assim, o que é urgente aprender com mais esta crise:
- Que continuamos a ser uma sociedade de castas. Autoritária por excelência.
- Que o autoritarismo se expressa em todas as instâncias e instituições do plano local ao plano nacional.
- Que o judiciário é uma corporação que ao legitimar a ação autoritária de determinados grupos da sociedade brasileira mantém seus privilégios numa sociedade marcada por desprivilegiados.
- Que diante da defesa de interesses de grupos específicos se instala o estado de exceção.
- Que toda decisão jurídica é sobretudo decisão política a partir de interesses corporativos.
- De que a população, os indivíduos nesta sociedade não possuem segurança jurídica alguma, pois o que impera é a insegurança jurídica.
- De que em função de interesses específicos de determinados grupos não se hesita em colocar de joelhos todo um povo, dilapidando o patrimônio público e os interesses estratégicos da nação.
O que podemos de esperar.
h) De que somos governados por uma junta de economistas (na ditadura militar fomos governados por juntas militares) alinhados com interesses específicos descomprometidos com os interesses nacionais.
- Que o governo Temer (temeroso) caia o mais breve possível afundado no mar de corrupção do qual seus membros fazem parte historicamente.
- Que se realize o mais breve possível eleições diretas.
- Que possamos a partir de tal condição rediscutir um projeto de sociedade, de estado, de pais em que a riqueza socialmente produzida possa ser socialmente e equitativamente distribuída.
- Que se reverta a trajetória deste projeto "Ponte para o (futuro) passado" que se caracteriza pelo empobrecimento e pelo atraso social em função da manutenção de privilégios específicos de determinados setores da sociedade brasileira alinhadas com as exigências da economia financeirizada global.
Dr. Sandro Luiz Bazzanella
Professor de filosofia.
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