Mariquiel dos Santos
O filósofo italiano Giorgio Agamben (1942), aponta em suas obras que a forma mais adequada de se enxergar o estado de exceção na modernidade, não é através dos óculos da excepcionalidade. Na sociedade hodierna esse dispositivo precisa ser analisado como uma técnica de governo aplicada normalmente nos liames estatais. Tornando-se consolidada na administração do Estado e na vida dos indivíduos em sociedade, através da economia, da biopolítica, das instituições e do biopoder, atingindo o patamar de paradigma de governo nos atuais regimes democráticos.
O estado de emergência se apresenta tanto no cotidiano dos indivíduos, como nos poderes públicos. Ao deixar de ser a exceção para se tornar regra geral, apresenta-se como reflexo da condição indeterminada entre democracia e absolutismo. Ou seja, esse deslocamento de uma medida provisória e excepcional para uma técnica de governo ameaça transformar a estrutura e o sentido da distinção tradicional entre os diversos tipos de constituição.
Em uma determinada nação, poderá ser declarado Estado de emergência, por tentativa de golpe, ataques terroristas, ou qualquer outra ameaça que venha ocorrer tanto de âmbito exterior como no interior do Estado-nação. Na administrabilidade do estado de exceção tornar-se-á permitido ao presidente se sobrepor ao Parlamento para aprovar leis e poderá limitar ou suspender direitos e liberdades civis. Mesmo que a medida de exceção seja tomada para proteger a democracia, essas medidas implicarão na vida privada dos cidadãos, uma vez que passam a estar expostos a restrição de seus direitos democráticos.
No Estado globalizado neoliberal, pode-se pensar que o governo ao legitimar a exceção, desperta uma escalada das práticas de controle; com o fato de medidas excepcionais estarem se tornando normais, ao que ainda se apresenta, "provavelmente está se aproximando o momento em que todos os cidadãos serão 'normalmente' controlados pelo estado do modo que antes se usava somente para criminosos, nas prisões". (Agamben, 2004b: 76)
Destarte, o pensador italiano Giorgio Agamben, aponta o estado de exceção como uma das formas de efetivação do biopoder. Visto que no Estado de exceção é o soberano que detém o poder absoluto de controlar, vigiar e intervir na formação, social e econômica dos indivíduos. Nesta sociedade normalizadora, as estratégias de biopoder e das biopolíticas abordam empreendimentos de políticas públicas, relacionadas à educação, à saúde da população, à proteção dos indivíduos exercidas nas escolas, nos hospitais, nas prisões, nos asilos, entre outras, com o intuito de capacitar os seres humanos a uma vida em sociedade.
O biopoder, isto é o poder exercido pelo Estado sobre a vida humana, tem por funcionalidade, a captura dos corpos através de suas estruturas, sistemas e instituições, visando torná-los conforme os seus interesses. Ou seja, transformá-los em corpos adestrados. Investindo na produção de corpos dóceis, domesticados, corpos maleáveis e úteis, produtivos, adaptados idealmente ao espaço das fábricas e das prisões, que estariam aptos ao trabalho e capazes de regeneração.
Neste sentido, pode-se argumentar que as instituições estatais vinculam-se ao paradigma de exceção. A ordem prevista pela Constituição brasileira de 1988, na Lei de Execução Penal (Lei n.º 7.210/84) ressalta nos Art. 1º e 3º que a execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença, ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado. Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei.
Nesse sentido, percebe-se que a Lei de Execução não é respeitada pelo Estado, o qual acaba aplicando mecanismos próprios para o massacre diário daqueles esquecidos pelo sistema penal. Percebe-se que dentro daquele estado de exceção vivenciado diariamente pelos condenados, sem o respeito ao mínimo de dignidade humana pelo Estado. Precisaram desenvolver uma ordem interna de funcionamento e sobrevivência. As prisões possuem um regramento interno criado pelos presos para os presos, ou seja, aqueles que não se encaixam dentro dessa sistemática do estado de exceção penitenciário, são eliminados pelos próprios presos.
As penitenciárias brasileiras configuram hoje um estado de exceção simbólico, enquanto pessoas não encarceradas dentro de estabelecimento prisionais encontram-se encarceradas dentro de suas próprias residências. Dessa forma, a ordem do sistema carcerário além de estar repleto das prisões existentes, constitui-se a partir da inversão de duas garantias da pessoa humana: a prisão cautelar deixou de ser exceção para se converter em regra e o princípio de presunção de inocência deu lugar ao princípio de presunção de culpa por antecipação.
A funcionalidade da atual sistemática desse Estado capitalista globalizado neoliberal consiste em um Estado adestrador e disciplinador das pessoas, com o objetivo de melhorar a qualidade dos corpos físicos de cada uma delas, para levá-las a terem maior rendimento, objeto imediato do capitalismo.
Essa lógica pode ser observada nas fábricas, nas escolas, nos hospitais, nas clínicas de capacitação e, principalmente, nas prisões, locais onde o ser humano deve ser treinado para a vida em sociedade, tornando-se produtivo para o sistema, não ferindo ou ameaçando os direitos de outras pessoas. Essa é a falácia na qual o Estado insiste em coagir a sociedade a acreditar e, esta, como um fantoche nas mãos do soberano, sustenta copiosamente essa utopia em seu cotidiano.
A sociedade se fecha em seus medos, cria estigmas e exclusões, e acaba aplaudindo o espetáculo punitivo do soberano, o qual mascara sua fragilidade política e econômica com um sistema penal repressivo e um sistema carcerário abarrotado. Hoje se observa que o estado de exceção, originalmente decorrente de uma situação provisória de perigo fático, passa a ser ele mesmo a norma dentro do sistema penal, com o fato de medidas excepcionais estarem se tornando normais.
Autora: Mariquiel dos Santos
Acadêmica do Curso de Ciências Sociais
Orientador: Sandro Luiz Bazzanella
Projeto de Iniciação Científica PIVIC da Universidade do Contestado
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