Reportagem conta a trajetória de Irene Winter, que cresceu nos arredores da histórica Cervejaria Canoinhense, e se popularizou ao se tornar a primeira mulher a pilotar avião na região
Reportagem: José Rossi Júnior
Fotos: Fátima Santos
No dia 26 de novembro de 1930, nasceu em Canoinhas a filha de Guilherme e Augusta Loeffler, Irene Loeffler. Ela nasceu em uma casa de madeira ao lado da Cervejaria Canoinhense, no centro de Canoinhas, e em 1937 se mudou para uma casa de alvenaria, em frente à universidade do Contestado, no centro de Canoinhas. Ambas as casas existem até hoje.
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Aos seis anos, Irene começou a estudar na Escola Evangélica Euclides da Cunha, do Pastor George Weger, onde o ensino era no idioma alemão. Com o início da Segunda Guerra Mundial, em 1940, tudo que fazia referência à Alemanha foi proibido no Brasil, então, a escola foi fechada e Irene migrou para o Grupo Escolar Almirante Barroso, então dirigido por Osvaldo Soares. No Almirante, Irene terminou o primário e fez o curso complementar.
A canoinhense lembra com carinho de sua infância, destacando as atividades de lazer que fazia com suas amigas. "Eu era uma das únicas que tinha bicicleta, fazia passeios, ia na praça, frequentava a igreja, e nunca deixava de ir ao circo quando vinha para a cidade. Na época o circo se instalava na praça da igreja”, lembra.
Aos 14 anos, Irene foi para Rio do Sul, onde deu o prosseguimento aos seus estudos. Nessa época ela aprendeu a fazer flores artificiais, grinalda e buquê de noiva, e quando voltou para Canoinhas ganhou um bom dinheiro com isso. Ela lembra que colocava seus artesanatos para vender na Casa Schreiber, que era uma loja pertencente aos seus familiares. Com carinho, Irene lembra também dos passeios de Maria Fumaça que fazia pela região. Segundo ela, todos os dias às 10h o trem passava no ramal que ligava Marcílio Dias ao centro de Canoinhas, passando ao lado de sua casa. Frequentemente ela se juntava com as amigas e ia para Marcílio Dias de trem.
??????Ao fim do texto, reportagem em vídeo
Os costumes da época eram bem diferentes. “Antes dos 15 nem pensar em namorar, comecei aos 17, mas era de longe. Depois até podia andar de mãos dadas, mas olhe lá”, conta.
O pai de Irene primeiramente era cervejeiro, mas depois passou a cervejaria para o irmão Rupprecht Loeffler e foi trabalhar com representações, intermediando a venda de vinhos e champanhes. Ele também era caçador e pescador, e tinha suas caças para o consumo da família. “O papai também era taxidermista, ou seja, ele empalhava animais, e muita gente trazia animais atropelados para que ele empalhasse. Entre os animais que papai espalhou estão macacos, aves e até jaguatirica. Ele aprendeu isso com um cientista alemão quando era adolescente, e até hoje esses animais estão na cervejaria”, explica.
A Cervejaria Canoinhense é um dos maiores patrimônios históricos do Brasil e fica localizada em Canoinhas. Fundada em 1908, ao longo de sua história ela sempre preservou o método de fabricação de cerveja artesanal. "Na cervejaria tinham sacos de açúcar mascavo para fazer gasosão, e eu sempre procurava os sacos com um furinho para comer um pouco do açúcar, pois não tínhamos bala nem chocolate”, lembra.
Em 1950 Irene casou-se com Horst Winter que era morador de Porto União, e passou a usar o sobrenome do marido desde então. Segundo ela, eles se conheceram no casamento da irmã de Horst, a qual era amiga de Irene. "Depois que nos conhecemos ele ficou aproximadamente seis meses em São Paulo e nós conversávamos por correspondência, depois, ele voltou para Porto União e foi trabalhar com o pai em uma fábrica de pasta mecânica”, lembra. Com Horst, Irene teve cinco filhos homens. Ele faleceu em 2002.
AVIAÇÃO
Irene foi uma mulher muito à frente de seu tempo, nos anos 60 andava sozinha de motocicleta e se tornou inclusive pilota de avião. "Meu marido era amigo do prefeito de Porto União, Dr. Vitor, que era piloto. O prefeito e mais um amigo de Cruz Machado, chamado Constantino, compraram um Cessna, e depois, mais um avião para o aeroclube. Meu marido então foi convidado para aprender a pilotar, mas ele não passou no teste pois era estrábico, e mesmo chegando a operar, ele tinha a vista fraca. Então como eu já andava de moto eu fui convidada pelo Constantino, que era instrutor, para eu aprender a pilotar. Na época tinha que ir para Curitiba para fazer o exame de saúde também o teste para ser piloto e eu fui a primeira que passou. Isso foi em 1963”, lembra a canoinhense.
A aviadora frisa que nunca teve medo de voar. “Muitos me perguntavam se eu era louca e se eu não tinha medo de voar, e eu dizia que perigoso era cada momento, que alguma coisa podia cair na cabeça da gente, então, medo eu nunca tive”, finaliza.
Em 2015, quando se completaram 100 anos da morte de Ricardo João Kirk, que foi um militar brasileiro e primeiro oficial aviador do Exército Brasileiro, em um acidente aéreo durante a Guerra do Contestado, o comando da Aeronáutica de Guarulhos/SP esteve na região. Na ocasião, Irene foi homenageada pelos aviadores.
Na semana das mulheres, a equipe do CN perguntou qual conselho Irene daria para as mulheres de hoje, para chegarem aos 92 anos com tanta energia, disposição e memória: “Talvez eu tivesse um antecedente que era assim como eu. O pai era muito disposto, ele tinha um barco a motor e desde que eu era criança pequena passeávamos pelo rio Canoinhas e íamos até o Rio Negro. Em uma ocasião ele levou o meu irmão e eu de bote até São Mateus. Canoinhas - Rio Negro - São Mateus. Então já era uma aventura. Eu gostava de esporte, de ginástica e sempre fui muito pela natureza. Em tudo eu vejo o belo e o bom. Deus está lá e está nos oferecendo tudo isso. Para as mulheres eu digo então: muitas até não perguntavam, ‘ah! Mas você vai se meter para ficar voando? É perigoso!’ Eu dizia que o perigoso é cada momento, que pode cair alguma coisa na cabeça da gente então medo eu nunca tive”.
Lembranças do Contestado“Quando eu tinha seis anos, tinha um caixote com areia para brincar ao lado da cerca da cervejaria. Ao lado tinham mesas e bancos onde os fregueses vinham de tarde para tomar cerveja, e eu brincava naquela areia, então, eu ouvia eles contarem das histórias do Contestado, lembro que eles contavam horrores.
Eles diziam que os fanáticos iam até as cidades com espadas feitas de madeira e matavam as pessoas. Soube, por exemplo, da história de uma família que tinha uma venda, e ficaram sabendo que os fanáticos estavam vindo e foram orientados para pegar as crianças e se mandarem embora. A mulher recusou, pois ela e o marido estavam há muito tempo ali, e nunca tinham feito nada de ruim para ninguém.
Quando os fanáticos chegaram, foram abrindo as portas com força, e quando o homem veio questionar o que eles queriam, já vieram com uma dessas espadas de madeira e mataram o homem. Então, obrigaram a mulher a fazer comida, e ela serviu para eles a comida e cachaça. Os fanáticos beberam e ficaram todos embriagados, então a mulher pegou as três crianças e foi pela linha do trem, desde São João, caminhando dia e noite, e neste caminho o bebezinho morreu de fome, pois ela não tinha mais leite, então, ela depositou ele perto de uma árvore, pegou as outras crianças e seguiu até Porto União.
Quando ela chegou na estação de Porto União, o chefe da estação já recolheu ela e as crianças e levou ela para casa onde cuidaram e deram comida.
Essa história está escrita em alemão em um arquivo da época em que a Guerra ainda não tinha terminado. Foi uma história tão terrível que até hoje eu me pergunto como o ser humano pode ser tão maldoso. ”
Confira a entrevista completa com Irene Winter
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