Disse dona Geni ao CN sobre sua contribuição como benzedeira há 54 anos em Canoinhas
Elisandra Carraro
Canoinhas
Quem já passou dos 30 anos em alguma fase da vida, deve ter ouvido falar sobre "benzimento". O benzimento é uma prática muito antiga para o tratamento de várias doenças, e enfermidades do corpo e da mente. Ela é utilizada pelas pessoas desde a Idade Média na Europa. No Brasil, as benzedeiras surgiram a partir do século XVII (17), que vieram junto com os imigrantes que colonizaram nossa terra, e, também estava presente na cultura dos próprios índios aqui já estabelecidos que praticavam seus rituais de cura dentro de um conjunto de orações no seu próprio dialeto, visto que a medicina não era acessível a todos.
"Benzer" significa tornar Bento ou Santo. O benzimento acontece geralmente em um conjunto de rezas, com a formulação de chás, garrafadas, óleos e banhos feitos pelas benzedeiras. Benzer é fazer um 'jogo de palavras' com poder de ação no espiritual e no físico. Geralmente os benzimentos são feitos em crianças a fim de buscar proteção do corpo e do espírito, ou o livramento de alguma doença.
Como a atividade do benzimento confronta com a medicina científica e a prática não é reconhecida, muitas curandeiras e benzedeiras se isolaram temendo represálias por parte das autoridades. No entanto afirmam que são procuradas por médicos, religiosos e pessoas para quem a ciência não conseguiu dar uma resposta para suas enfermidades.
Recebendo um dom
A prática do benzimento pode ser aprendida dentro de uma tradição na qual quem sabe e foi preparado, ensina quem precisa aprender independente de crença ou religião. Ou pode vir de um dom, como no caso de Dona Geni Adur Herbst que tem 80 anos, e é benzedeira há 54 anos em Canoinhas e região. Geni é mãe de 8 filhos, mas 3 já são falecidos. De sua herança genética tem 18 netos e 6 bisnetas, sendo dois bisnetos também já falecidos. Geni conta que começou a ser benzedeira quando o filho adoeceu de uma pneumonia dupla nos primeiros meses de vida. Ela levou o menino até do Drº Anuar Seleme, mas a criança ficou dias internada.
No hospital uma vizinha de quarto sugeriu que ela fosse em uma benzedeira para curar o menino, mas ela já estava descrente pelo fato de ter ido em todas as benzedeiras da região, no entanto, resolveu ir novamente na esperança da cura de seu filho. Geni pediu ao médico que desse alta ao menino porque segundo ela, ele chorava demais e os pacientes não conseguiam dormir. O médico não queria conceder alta ao menino pelo estado de saúde que ele se encontrava, mas acreditou na palavra de Geni que prometeu voltar ao consultório para novas consultas. Sendo assim, a criança recebeu alta, mas com a condição de que ela visitasse o consultório todos os dias.
"Eu morava em uma comunidade do interior, na Estação Paciência e todas as amanhãs eu levava meu filho no Drº Anuar e depois na benzedeira. Ele levou alguns dias em tratamento e logo o médico liberou o menino por dizer que ele estava bem. Mas a benzedeira disse que a machucadura e a dor no peito poderiam voltar, porque o bebê só tinha cartilagem e não ossos completamente formados, disse que o peito estava aberto ainda. Passou um tempo ele adoeceu de novo e, na época eu dava aula, e não podia deixar o interior pra ficar na cidade cuidando dele. Então naquele momento eu levantei as minhas mãos para o céu e disse: Jesus misericordioso! Se meu filho estiver machucado, e eu conseguir arrumar ele, de hoje em diante eu arrumo os meus e demais quem precisar... E dali em diante Deus me deu esse dom", conta Geni.
Ela conta que depois disso conseguiu curar seu filho e também outras crianças. Mas Geni só ganhou 'popularidade' como benzedeira após um caso específico. "Havia uma criança que estava desenganada pelos médicos, estava to inchada e nada resolvia a mãe já estava desesperada e chegou ao meu portão pedindo ajuda. Naquele momento pensei como diz a bíblia: pedi e recebereis, então já que eu havia pedido o dom e Deus havia de me dar. De fato, eu curei o menino e depois disto não parava mais de chegar gente para benzimento aqui em casa", relembra a benzedeira.
Cura e revelações
Dona Geni comenta que por algum tempo fez também benzimento para adultos, mas teve que parar porque acabou ficando muito doente. "Eu sofri de pneumonia, do estômago, tenho problema de coração, já estive entre a vida e morte, e teve uma época que eu fazia benzimento em adultos, mas comecei a ficar muito doente, pois, eu absorvia muito a energia da pessoa, devido minha imunidade ser baixa acabava ficando doente, a ponto de ter que procurar ajuda em outras cidades para ter minha cura. Desde então fui proibida de fazer benzimento em adultos devido às energias sobrecarregadas das pessoas", relata.
Dona Geni conta que nunca disse não a quem chegava para atendimento. Ela relata que nesta fase em que adoeceu muito botou uma placa informando que não poderia mais atender, mas as pessoas traziam as crianças implorando por cura. "Eu nunca fiz distinção de cor, de religião, de pessoas, todos que me vinham eu atendia. Eu benzo com ovo e o ovo me mostra muita coisa. O ovo me mostra tudo" afirma.
Ela também conta que deixou de fazer esse processo em adultos porque acabava tendo revelações muito fortes sobre a pessoa. "Eu tenho mediunidade, mas não a desenvolvi, porque acabava tendo visões de muitas coisas e às vezes não queria contar às pessoas o que eu via sobre elas, porque há coisas que não cabe ao ser humano conhecer. Eu me omiti de contar algumas coisas que eu vi, e depois realmente aconteceu aquilo, por respeito ao indivíduo eu não disse nada, porque às vezes a pessoa não consegue lidar com a revelação", disse.
Geni também conta como acontecia o processo de benzimento com o ovo onde as revelações apareciam. "Eu coloco um copo de água e outro vazio, depois abençôo a água dizendo a seguinte oração: Pelo sinal da santa cruz senhor Deus livrai-nos dos nossos inimigos. Neste caso o inimigo da criança é a doença que ela tem. Quando quebro o ovo dentro do copo com água abençoada ele me revela tudo que a criança ou adulto tem", relata Geni.
Geni comenta que fazia benzimento para bicha, quebrante, susto, rendidura, e também massagem nos bebês para costurar peito aberto e outras doenças. Geni não cobrava o benzimento, mas nos últimos anos devido a sua doença cobra apenas pela massagem pelo alto custo de seus medicamentos.
"Quando adoeci fiquei vários dias na UTI e ouvia o médico dizendo que as enfermeiras deviam avisar minha família, porque estava desenganada, ao pé da morte, mas Deus me deu a chance de continuar a vida e fazer o bem a quem precisa com o dom que ele me concedeu", destaca.
Geni também conta que já teve mais de 500 espécies de ervas medicinais, mas hoje devido a sua saúde agravada reduziu para 100 o número de espécies cultivadas. "O pessoal da faculdade já veio muito aqui conhecer minhas plantas e estudar elas. Isso aqui é a minha vida, eu vim para servir e não para ser servida. Por isso quero ajudar as pessoas, não para ser recompensada, não necessito de recompensa, minha recompensa é o amor de Deus, porque este dom foi me dado por ele", finaliza Geni.
Deixe seu comentário