Erica Endler Zacko apoia em 103 anos de vida uma história de empoderamento em meio às mudanças de tantas décadas

Reportagem publicada originalmente na versão impressa do Correio do Norte em 2 de março de 2018, especial do Dia da Mulher


Sem o uso do andador, deixado no canto da sala, e com uma cuia de chimarrão em mãos, Erica Endler Zacko nos recebe bem disposta, bem humorada e preocupada em acolher bem. "Vê uma bolachinha pra moça", solicita à neta. Impossível recusar. O peso dos 103 anos de idade está só na carteira de identidade, porque o vigor dessa descendente de alemães que viu Canoinhas se desenvolver está longe de representar toda essa idade. Se há algo que representa seu mais de um século de vida, é a bagagem adquirida em toda essa longa vida, histórias que dona Erica conta com muita lucidez e simpatia.

Erica tem como marca uma constante busca por independência. De origem simples, instalou-se ainda criança, com a família, na localidade do Parado, e teve de superar adversidades dia após dia. De aprender português (antes só falava alemão) para pode estudar na escola até garantir a comida na mesa com o que se plantava em casa, Erica aprendeu a correr atrás de uma vida melhor com as próprias pernas.

Ainda vivendo com os pais, dedicou-se à produção de erva-mate, participando de todo o processo da colheita até o ensaque, nos moldes mais tradicionais. Então casou-se aos 19 anos, teve quatro filhos, e seguiu trabalhando. "Fiz de tudo nessa vida. Trabalhei de diarista, trabalhei na roça, trabalhei cozinhando muito. Já perdi a conta de quantos banquetes de casamento já fiz", conta, orgulhosa.

Foi na cozinha que tornou-se mais conhecida e respeitada, preparando a comida das festas de casamento, fazendo wafews sob encomenda, chegando a cozinhar no icônico Clube do Tiro ao Prato, em Três Barras, frequentado por uma sociedade abastada.

Depois dos 80 anos, a idade a obrigou a pisar no freio. Mas parar, jamais. "Acham que gente velha fica o dia todo só olhando para fora da janela. Eu faço meu café, meu bordado, leio meu jornal. O que posso fazer sozinha, eu faço", comenta.


Bordar é uma das atividades que dona Erica não abre mão (foto: Thaís Guimarães)

As referências masculinas de sua família se foram cedo. O pai, aos 45 anos de idade. O marido aos 72 - embora o casamento tenha quase alcançado as bodas de ouro, já são mais de 30 anos sem o companheiro. Perdeu filhos também. Mas resiste. "Deus me chamou e eu ainda não escutei", brinca Erica, mostrando que até a dificuldade de audição vira alvo do seu bom humor.

Dos tempos das ruas de chão batido e da inexistência das facilidades que temos nos dias de hoje, Erica faz uma observação digna de reflexão. "Não tinha telefone, não tinha televisão, isso é verdade. Hoje é tudo mais fácil. Mas a gente tinha liberdade. Nós íamos para a escola sozinhas, sem perigo. Hoje, é perigoso sair sem companhia", lamenta.

Ela é a matriarca de cinco gerações, com mulheres que dão continuidade aos exemplos deixados por Erica em cada ramificação dessa árvore genealógica. "Ela é nosso orgulho", declara a neta Sueli Steilein.


Representando as cinco gerações: Erica Endler Zacko, filha Zenita Zacko Steilein, neta Sueli Steilein, bisneta Carolina Steilein Ludka Ferlin e tataranetas Laura e Sofia Ferlin (foto: Arquivo pessoal Sueli Steilein)

Perguntada sobre o segredo para viver tanto e tão bem, Erica pensa um pouco, tenta puxar na memória, mas não sabe dizer. Recorre aos hábitos saudáveis e ao trabalho, além do fato de nunca ficar parada, mesmo após mais de um século em movimento. "Tenho saúde. Não posso reclamar. Faço minha oração, faço meu café. Quando vem uma visita eu tomo um chimarrão, e assim vou levando", comenta. Talvez esse seja o segredo de sua longevidade. A leveza como leva a vida.



"Já fiz de tudo nessa vida. E o que ainda consigo, não deixo de fazer" (foto: Thaís Guimarães)


*Dona Erica faleceu no dia 5 de maio de 2018