Incidência da doença cresce em Canoinhas

Gracieli Polak

CANOINHAS
Em um pólo, depressão. No outro, euforia. Entre os extremos da alegria e da tristeza, uma parcela cada vez mais iminente da população de Canoinhas se depara com os sintomas do transtorno bipolar, doença psiquiátrica até bem pouco tempo conhecida pelo nome de psicose maníaco-depressiva, mas ainda desconhecida de grande parte da população. Com sintomas que se assemelham a comportamentos cotidianos, a doença pode se manifestar em diferentes fases da vida, independe de condições econômicas ou sociais e pode estar mais perto do que você imagina, apesar do preconceito que resiste ao tempo e agora começa a ser quebrado pela exposição de casos de transtornos psiquiátricos abordados na novela Caminho das Índias, da Rede Globo de Televisão.
Caracterizada pelo psiquiatra Diogo Lara, especialista no assunto e autor do livro Temperamento Forte e Bipolaridade, como um “transtorno mental em que o humor assume autonomia”, a doença não é um fenômeno recente na humanidade, mas ainda é pouco comentada, apesar de não ser discreta. Em seu livro, Lara discursa sobre a doença e suas particularidades, que muitas vezes conferem características marcantes aos seus portadores. Rita Lee, Renato Russo, Cássia Kiss e Cazuza são alguns brasileiros famosos bipolares, mas, cada vez mais, pessoas comuns descobrem o transtorno e buscam tratamento.
Em Canoinhas, a demanda crescente por tratamento no Centro de Atenção Psicossocial (Capes) chama a atenção e delineia novas perspectivas para quem sofre com as conseqüências da doença. Acompanhe nas próximas páginas.
 
Transtorno pode desencadear suicídio
Cerca de 8% da população é bipolar; 50 % tenta tirar a própria vida
 
Duas balas disparadas contra o próprio peito fizeram com que Luiz Marcos Ferrais, DJ, promoter e proprietário de uma casa noturna de Canoinhas percebesse que sofria de algum distúrbio psiquiátrico. “Eu tentei suicídio e foi ali que percebi que tinha algum problema que eu não conseguia controlar. Chega um ponto em que você não é capaz de entender o que está acontecendo. Fica cego para tudo e é capaz de fazer atos como este”, relata Ferrais, que depois do episódio, buscou tratamento psiquiátrico e descobriu que era portador de um transtorno mental que hoje atinge cerca de 8% dos brasileiros, a bipolaridade.
Segundo a Associação Brasileira de Transtorno Bipolar (ABTB), responsável pela estimativa citada anteriormente, cerca de 50 % das pessoas que apresentam bipolaridade, em algum estágio da vida, tentam suicídio. Da quantidade total, 15 % dos portadores do transtorno conseguem concretizar o ato, enquanto os outros 50 % convivem com a doença sem enfrentar situações tão dramáticas como a de Ferrais, mas nem por isso sem sofrer suas conseqüências.
De acordo com o médico psiquiatra Franco Mazzaro, de Canoinhas, a doença é caracterizada pelas alterações de humor, passíveis de todos os seres humanos, mas manifestadas de forma extrema. “Todos nós nos sentimos tristes em um dia, ou alegres em outros, motivados por diversos fatores. No bipolar, que alterna episódios de depressão com episódios de mania, há uma disfuncionalidade, e é essa disfuncionalidade que caracteriza o transtorno”, define.
Mazzaro explica que, quando em estado maníaco, o paciente passa por situações de euforia e a alegria exagerados, que podem desencadear situações prejudiciais, porque, nesta situação, há fuga da realidade, o que faz com que comportamentos negativos à própria pessoa se manifestem. “A impulsividade é uma característica freqüente durante a mania e, em algumas pessoas, ela pode se manifestar em um desejo incontrolável de fazer compras, também a hipersexualidade ou inflacionamento do ego, por exemplo”, afirma.
DESCONHECIMENTO
Alternando estados de euforia, em que passava noites acordado e rodeado de pessoas com outros de depressão, em que ficava em total isolamento em sua chácara, Ferrais deixou que seu quadro clínico se agravasse, sem tomar conhecimento da doença. “Eu nunca tinha ouvido falar disso, não conhecia. Depois de umas quatro consultas com o psiquiatra foi que eu consegui assimilar o que estava acontecendo, aceitei o tratamento e comecei a voltar para minha vida”, conta. Desde então, o promoter segue à risca o tratamento prescrito e luta para informar cada vez mais pessoas sobre a doença que, ainda hoje, é vista de forma preconceituosa.