Combatendo o analfabetismo e a vergonha dele, Sesc Ler de Canoinhas traz proposta diferenciada para educação de adultos

Gracieli Polak

CANOINHAS
“Quando eu voltei a estudar uma porta se abriu e percebi que o mundo poderia ser um pouco além do que eu conhecia”. Com emoção e segurança, Rosélia Aparecida Caldas, 34 anos, compara sua volta aos estudos com o nascimento para outra vida. Ansiosa, a dona de casa queria tanto voltar para a escola que foi até seu colégio, o Sesc Ler, na quarta-feira, 17, enquanto as aulas só começaram ontem, um dia depois. A pressa de Rosélia se justifica: conhecimento, no seu caso, significou o surgimento de uma nova vida.
Aos dez anos ela abandonou os estudos e nunca mais tinha pensado em voltar para os bancos escolares. A idade que avançava e a vergonha de não conseguir aprender entalaram no pescoço de Rosélia, que aos poucos desaprendeu as lições adquiridas na escola e viveu martírios ao tentar ir fazer compras no supermercado ou operações no banco. “Eu chorava de medo de fazer qualquer coisa errada, porque não sabia contar direito. Era meu marido quem separava, certinho, o dinheiro para a lotação, porque eu não sabia”, lembra.
Completamente dependente dos outros, a dona de casa diz que a amargura começou a tomar conta de seu dia a dia, a medida em que ficava mais dependente. Foi quando ela foi convencida a voltar para a escola.
Com a matrícula feita, Rosélia faltou uma semana às aulas. “Tinha medo e vergonha, muita vergonha de nessa idade voltar para a escola”, conta. Com o apoio dos filhos Felipe, Juliano e Fábio Renan, de 16, 14 e 10 anos, e do marido, João Maria, ela rompeu a barreira e começou a freqüentar as aulas. Quando teve vontade de desistir, foram eles que a mantiveram na escola. Hoje formada, com o diploma do Ensino Fundamental na mão, ela pretende continuar os estudos em busca de uma profissão para chamar de sua. “Quando eu era nova queria ser policial, mas agora isso não é mais possível. Quem sabe não viro professora?”, se questiona.
PONTO PARA O SESC
Inaugurado em Canoinhas em fevereiro de 2009, o Sesc Ler é uma iniciativa do Serviço Social do Comércio (Sesc). No Estado, somente as cidades de Tijucas e Caçador possuem o serviço, que combate o analfabetismo e presta educação gratuita para jovens e adultos, além de promover inúmeras ações culturais e educativas para diferentes faixas etárias.
Segundo a coordenadora pedagógica da entidade, Rejane Mara Fuck Borba, jovens a partir dos 15 anos e adultos sem limite de idade podem participar das aulas, divididas em dois turnos. “Eles são divididos em três turmas: alfabetização, 1.º ciclo e 2.º ciclo”, conta Rejane. Com aulas todos os dias, durante os três anos, os estudantes recebem seus certificados e podem partir para voos mais altos, mesmo que a conquista deste primeiro diploma se revele mais do que eles imaginaram conseguir um dia. “Nós temos alunos de 16 a 72 anos de idade e eles vem aqui porque realmente querem aprender”, ressalta Rejane.
Com proposta diferenciada dos demais sistemas de educação para adultos, o Sesc não abrevia os conteúdos e, à semelhança da educação para crianças, explora diversos aspectos da aprendizagem.Segundo a instituição, o alunodesenvolve um sistema educativo que se perpetua por meio do estímulo à criatividade, ao raciocínio e o auto desenvolvimento, com base em suas experiências. O resultado? Recomeços como o de Rosélia.
“As pessoas ainda confundem o Sesc Ler com o antigo Cesc (agora E.E.B. Santa Cruz), mas ele já começa a ser conhecido pelo que é”, explica Daiana Marcolin, auxiliar administrativo da instituição. A entidade, agora com sua primeira turma de alunos formados, quer investir na qualificação dos estudantes com cursos que propiciem sua inserção no mercado de trabalho e, enquanto isso traz benefícios para os estudantes e suas famílias.
MAIS EDUCAÇÃO, MAIS CULTURA
Educação gratuita e material escolar de graça para seus alunos já podem ser considerados incentivos para que os adultos voltem a estudar. Tratamento odontológico gratuito para os alunos e seus familiares, fornecimento de óculos para quem sentir necessidade e a possibilidade de conhecer mais do Estado são o pouquinho mais que a instituição oferece, amparada por todos os eventos culturais promovidos durante o ano, com acesso irrestrito para toda a população.
Em 2009 uma turma de alunos foi até São Francisco do Sul, aprender de perto o que já havia sido estudado em sala de aula. Neste ano, segundo Rejane, o destino ainda não foi decidido, mas a experiência deve enriquecer ainda mais o aprendizado dos alunos. Para o ano letivo que começou ontem, a entidade conta ainda com uma biblioteca novinha em folha, com mais de 3,5 mil títulos, também aberta ao público. Na agenda de atrações, exposições, mostras e oficinas em diferentes áreas são esperadas para enriquecer ainda mais o processo de aprendizagem.
Comandados pelas professoras Élcia Aparecida Gevieski e Ana Maria Lopes Vieira, 131 alunos terão a chance de levantar a cabeça, enfrentar o preconceito e conquistar sua independência, como Rosélia, que se orgulha de, toda sexta-feira de manhã, receber a edição do CN em casa e ler uma por uma as matérias do jornal.