Proposta gera polêmica e chama atenção para questões como o preconceito e a inclusão

CANOINHAS - Imagine uma sala de aula com 35 alunos onde uma criança com Síndrome de Down senta-se ao lado de um colega com deficiência auditiva e, na cadeira da frente, esteja outro com um quociente de inteligência elevado. Imagine ainda outra classe em que um aluno com paralisia cerebral esteja junto de um amiguinho numa cadeira de rodas, ao lado de outro com deficiência visual ou uma síndrome genética qualquer. E à frente dessas turmas, professores que dêem conta de atender às necessidades educacionais de todos, sem distinção.

O Ministério da Educação (MEC) quer transformar estas situações hipotéticas em realidade a partir da nova Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. O objetivo é ampliar o acesso das pessoas com deficiência às escolas regulares, respeitando o direito de todos à educação. Fiel à Convenção da Organização das Nações Unidas sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, assinada em março pelo Brasil, o MEC quer acabar com as escolas especiais e colocar todos na escola normal.

Neste debate que começa a ganhar corpo, governo, pais, educadores, políticos e entidades ligadas às pessoas com deficiência divergem sobre o melhor lugar para a criança desenvolver suas capacidades cognitivas e ser incluída socialmente. De um lado está quem é favorável a se colocarem os portadores de síndromes genéticas ao lado dos outros alunos, inclusive dos superdotados intelectuais, para que todos tenham as mesmas oportunidades. No lado oposto está quem acha que a escola não daria conta de atender crianças com necessidades tão diversas e específicas.

 

CONVENIENTE, MAS PARA O GOVERNO

 

Denise Santos, diretora da Associação dos Pais e Amigos do Excepcional de Três Barras, concorda que a inclusão é importante para o desenvolvimento do portador de alguma necessidade especial, mas reconhece a inclusão é muito mais conveniente para o Governo do que necessariamente para os alunos. ?É muito mais interessante para o Governo que os alunos da Apae estejam na escola regular, onde ele já tem dinheiro investido. Seria um resgate social, de exclusão. Para o Governo a reparação deste erro seria a inclusão?, opina Denise.

A diretora que trabalha há 11 anos com inclusão social por meio da Apae, alerta para as estruturas físicas das escolas, a maioria, inadequada para receber alunos cadeirantes ou com dificuldades de locomoção. ?Nós temos alunos aqui completamente vegetativos, como incluí-los numa escola regular??, questiona.

No entanto, nos casos onde a capacidade intelectual dos alunos é condizente com o ensino, Denise acredita que a inclusão é mais que necessária. Tanto que hoje, 24 crianças que freqüentam a Apae de Três Barras estão matriculadas no ensino regular, no contraturno. ?Não podemos isolar essas crianças do mundo. Não existe inclusão sem que haja o choque. Nós temos de criar o problema para poder resolvê-lo?, acredita, acrescentando que o preconceito é grande, mas que é essencial que haja o enfrentamento.

 

 

Inclusão já vem acontecendo

Para o grupo de defensores da escola especial, esta inclusão já vem acontecendo. Nos últimos dez anos houve um aumento de seis vezes e meia no número de matrículas de pessoas com deficiência no ensino regular. O censo escolar do MEC revela que no ano passado havia 700.624 alunos com deficiência estudando no País, 375.488 deles matriculados em escolas e classes especiais e 325.136 em estabelecimentos comuns. O mesmo grupo diz haver boas explicações para que mais da metade desse público continue nas instituições especializadas.

Para muitos, elas servem como lugar de passagem, para outros, como único lugar possível à escolarização. ?Quem tem condições de ir para o ensino regular já está indo?, salienta a pedagoga Alessandra Marquete. Ela vê retrocesso nas mudanças do MEC. Na avaliação dela, também especialista em educação especial, aos centros caberia apenas o atendimento clínico, e não mais pedagógico-educacional. E isso tem implicações diretas na vida da criança com deficiência.

A preocupação maior diz respeito ao cotidiano escolar. Se hoje a escola produz crianças com problemas de aprendizagem decorrentes de rótulos recebidos pela própria turma, de preconceitos de professores, de dificuldades interpessoais, de metodologias pedagógicas inadequadas, então ela ainda não está preparada para receber crianças com necessidades ainda mais especiais. Por isso, profissionais da área defendem que a inclusão exige uma análise de cada caso de deficiência. Denise aponta este como o principal problema de inclusão da escola. ?Quando se fala em inclusão, o problema maior não é o aluno especial, mas os tantos excluídos que simplesmente abandonam a escola?, alerta. A preocupação de Denise tem fundamento. Hoje, de cada 100 novos alunos, oito completam o ensino fundamental, de acordo com estatísticas do MEC.

 

DEFICIENTES FÍSICOS TÊM MAIOR FACILIDADE

 

Os alunos com deficiências física, visual e auditiva, por exemplo, podem ser incluídos no ensino regular sem maiores conseqüências quanto ao acompanhamento cognitivo da aprendizagem. Ainda assim, com uma ressalva: desde que assistidos por profissionais especializados e com equipamentos adaptados, na opinião de Denise. Já os casos de deficiência mental exigem atendimento diferenciado. Por isso, defende-se uma inclusão gradativa, comprometida e responsável, que considere cada caso.

Tentativas de inclusão já vêm acontecendo, mas nem sempre com sucesso. Maria de Fátima Minetto, autora do livro Currículo na Educação Inclusiva: Entendendo este Desafio (Editora IBPEX), diz que muitos alunos inseridos no ensino regular acabaram voltando às Apaes. ?Ali eles têm à disposição uma equipe de fisioterapia, psicologia, fonoaudiologia, terapia ocupacional. Quando a escola regular vai oferecer isso??, questiona.

Essa estrutura terá de ser criada ao longo do tempo, com esse público já inserido na rede regular de ensino. Pela proposta do MEC, as escolas especiais já reconfiguradas como centros de atendimento farão esse meio de campo por meio de atividades no contraturno escolar, como apoio educacional, orientação às famílias, formação continuada de professores, produção de materiais especializados, formação profissional e encaminhamento ao mercado de trabalho, como é o caso da Apae de Três Barras.