Um dos mais importantes cineastas do País esteve esta semana na cidade para selecionar entrevistados para um documentário
Sylvio Back já foi comparado ao gênio Glauber Rocha e ao inconveniente, porém pertinente, Michael Moore. Diretor de mais de 36 filmes entre longas e curtas, o cineasta catarinense ? nascido em Blumenau ? parece conseguir a façanha da unanimidade entre a crítica. O público, no entanto, nem sempre correspondeu a altura, o que remete não necessariamente a obra de Back, mas a má vontade do público com o cinema nacional.
Sua obra é marcada por um certo revisionismo da história. Back gosta de fuçar a história no que ela tem de mais curioso e desconstruí-la, ajudando a desmistificá-la. Foi assim com A Guerra dos Pelados (1971), que abordava a Guerra do Contestado em pleno período de regime militar. Filmado em Caçador, Back lembra que até hoje ao caminhar pelas ruas da cidade que à época era muito pequena, é abordado por pessoas que participaram do filme como figurantes ou que testemunharam as filmagens.
Mais de 20 filmes depois, Back retorna ao tema, mas dessa vez para dar uma versão muito mais ampla do Contestado. O documentário está em fase de pré-produção. Com orçamento de R$ 1 milhão, custeado 50% pela Lei de Incentivo ao Audiovisual, o documentário terá locações no eixo Lages-Porto União. Uma das cidades que compreende este eixo é Canoinhas. Por isso, no início da semana, Back esteve na cidade junto com uma equipe de três pessoas, a fim de coletar material para o documentário. Ciceroneado pelo escritor Fernando Tokarski, que há anos pesquisa a questão do Contestado, Back percorreu Três Barras, Bela Vista do Toldo e bairros de Canoinhas selecionando entrevistados. Ele pretende voltar em um mês para iniciar as filmagens.
Entre uma entrevista e outra, Back inverteu os papéis e concedeu a seguinte entrevista à nossa reportagem:
Correio do Norte: Por que seu interesse pelo Contestado?
Back: A questão da terra, que pra mim é um tema fundador das viabilidades e inviabilidades deste País. Isso já estava na minha cabeça nos anos 1960, e aí envolve o fato de eu ser catarinense. Mas não é só isso não, essa invisibilidade mexe comigo porque toda a minha filmografia sempre foi voltada para este resgate do esquecimento. Há um esquecimento em torno da Guerra do Paraguai, da Revolução de 1930, dos índios, dos imigrantes, do nazi-fascismo no Sul do Brasil, fruto da nossa incúria em relação a história, da nossa preguiça intelectual, de uma academia burocrática, onde os influxos criativos são mínimos.
CN: O que fez você (ele faz questão de ser tratado como você) querer voltar ao tema mais de 25 anos depois (ele filmou A Guerra dos Pelados em 1971)?
Back: Apesar de tantos doutorados e mestrados, o tema está cada vez mais invisível. O Contestado fez 90 anos em 2006 e pairou o silêncio sobre a questão. Basta você percorrer a região para perceber o gigantismo do Contestado.
Esqueço que fiz A Guerra dos Pelados. Tenho mais de 100 livros sobre o assunto na minha casa, voltei ao tema há quatro anos e, claro, descobri novas coisas.
A questão da terra ainda é atual, ela existe há 507 anos e ainda está irresolvida no Brasil.
CN: Tenho a impressão de que A Guerra dos Pelados é um dos poucos momentos em que o Contestado não foi tratado com didatismo. Você acredita que um documentário venha somar a este didatismo ou tem como fazer um documentário atrativo ao grande público?
Back: Entendi, mas isso eu não posso adiantar. Se você conhece meus filmes eu não vou dar uma aula sobre o Contestado. É preciso frisar que a Guerra do Contestado não se trata apenas de uma questão de limites. Tem a questão da estrada de ferro, da imigração, dos coronéis, a presença do capital estrangeiro. Aqui, bem ou mal, se fundou o capitalismo no Brasil no século 20. Aí se estabelece uma discussão sobre que tipo de modernidade se trouxe à época, que País era aquele que se tinha. Claro que estou neste trabalho há dois anos na estrada e a cada dia aparecem coisas novas, me aparece você com este levantamento todo (uma compilação das entrevistas da coluna Nosso Povo, Nossa História, que serviu de base para algumas das entrevistas feitas por Back), mas a idéia é fazer um filme dentro de uma linguagem cinematográfica e que desperte interesse. O cineasta tem o primeiro compromisso com o cinema, quero que o espectador saia do cinema satisfeito com o espetáculo e não apenas levando uma aula.
Encaro como um desafio ao mesmo tempo em que informar o espectador, tornar aquilo um espetáculo.
CN: Quando você fez A Guerra dos Pelados, a facilidade de fontes foi muito maior por conta da proximidade maior com os eventos. Hoje se configura num desafio encontrar fontes que falem sobre a Guerra?
Back: Naquela época eu não fiz isso. Hoje eu estou tendo mais dificuldades, o que é bom. Na época do A Guerra dos Pelados eu havia lido tudo o que tinha sido publicado sobre o assunto. Mas como eu não estava fazendo um documentário, eu joguei fora todos estes livros. Eu queria compreender, coisa que tem no livro do Guido Wilmar Sassi (Geração do Deserto, que inspirou o filme), você compreende o Contestado e ele personaliza, cria personagens, uns que existiram, outros que ele inventou, além do que, ele sabia escrever muito bem.
CN: Quais são tuas referências para este documentário?
Back: Um dos entrevistados do documentário será o Noel Nascimento, que escreveu um clássico sobre o Contestado que é o livro Casa Verde. Um livro realmente muito bonito, assim como o Dicionário (de Regionalismos do Sertão do Contestado) do (Fernando) Tokarski, que é admirável.
CN: Você ainda percebe erros históricos em relação a dita versão oficial da Guerra do Contestado?
Back: Quando nós buscamos as locações de A Guerra dos Pelados, duas coisas me chamaram a atenção ? já não havia mais tantos pinheiros como a gente imaginava, hoje já não existe mais nada. Eu já estive na região algumas vezes, a antiga Lumber está irreconhecível. Outra coisa que mudou minha visão foi que nestas andanças encontrei muitos velhos que me contavam inúmeras histórias, que me ajudaram a dar humanidade aos personagens do filme.
O imponderável de um documentário é que você não sabe o que vai ouvir, é uma surpresa, uma descoberta a cada entrevistado.
CN: Qual o Contestado que você pretende abordar?
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