Desafio Jovem de Canoinhas recupera dependentes químicos, devolve dignidade e ensina a viver de novo
Gracieli Polak
CANOINHAS
Uma casa grande que aos poucos é melhorada, aos fundos de um terreno no interior de Canoinhas, é o novo lar de algumas pessoas que já não tinham esperança em recuperar suas vidas perdidas para o álcool, para as drogas ou para os dois juntos. O ambiente, marcado pela calma de algumas leituras bíblicas, pelos silêncios e pela ajuda mútua, surge como opção para as pessoas que vivem à margem da sociedade por causa da dependência química.
As instalações simples e a ausência de conforto não são entraves para que o objetivo do centro, a recuperação da dependência, seja levado
INSPIRAÇÃO
João Ricardo era dependente químico quando conheceu Ana Paula. Os dois se casaram, tiveram uma filha, e ele conseguiu esconder o vício da esposa durante alguns anos, mas, segundo ele, em determinado momento, isso não foi mais possível. ?Eu procurava sempre saciar uma falta, algo que não conseguia preencher, mas não conseguia e sempre procurava mais drogas. Comecei a roubar coisas de dentro de casa, a fazer coisas piores para conseguir. Eu estava desesperado, mas quem mais sofria não era eu, mas minha família?, explica.
E foi Ana Paula, que com os olhos marejados somente com a lembrança do período difícil por que os dois passaram, quem foi buscar ajuda para o marido. Segundo João Ricardo, no princípio ele não aceitou ajuda, porque acreditava que conseguiria parar sozinho. ?Eu não queria ser internado, não queria ajuda. Fiquei sem nada, fumei tudo que a gente tinha construído. Tive overdose, cheguei bem perto da morte, mas fui salvo por um amigo, até que decidi me curar?, relembrar.
O caminho da cura, segundo o casal, começou quando Ana Paula começou a frequentar
a igreja. Por ciúmes da esposa, João Ricardo começou a ir junto e descobriu o caminho da cura. Ficou 30 dias internado para desintoxicação em um hospital em Lages, com a saúde debilitada e em péssimas condições físicas. Depois disso foi para um internato em Joinville, aprendeu a viver sem álcool e drogas, começou a trabalhar novamente e recuperou sua vida. ?De lá para cá nossa vida mudou. Tudo que eu perdi, consegui recuperar e agora somos uma família feliz. Se não fosse a igreja eu teria ficado louco?, afirma.
O trabalho voluntário em Canoinhas agora é consequência da ajuda que recebeu quando mais precisava. Diante da inexistência de um serviço do gênero na região, João Ricardo e Ana Paula, junto com mais dois casais de amigos resolveram abrir por conta própria um centro de recuperação em Canoinhas, o Projeto Canaã.
SEGUNDA CHANCE
Desde o dia 25 de março de 2008, quando as portas de uma pequena casa na localidade de Salto d?Água Verde foram abertas, cerca de 30 pessoas passaram pelo projeto, que teve de mudar de nome e agora se chama Desafio Jovem, e que dois meses depois de sua criação passou para a nova sede, que recebe melhorias desde sua adoção.
Alexandre Alves da Silva estava entre os primeiros internos e agora, na fase final de sua recuperação, é um daqueles que podem se considerar livres da dependência. Silva conta que ele mesmo decidiu se internar depois que perdeu o trabalho e todos os bens que possuía. ?Fazia muito tempo que eu bebia e usava outras coisas, mas a gente é teimosa e deixa o tempo passar. Até que eu fui perdendo tudo, inclusive o moral. As pessoas perderam a confiança, senti que minha filha também não confiava mais em mim e, quando uma irmã da igreja propôs minha recuperação, eu aceitei?, conta.
Silva foi para Joinville, mas um mês depois voltou para casa. Não desistiu do tratamento, mas a casa de recuperação em que ele estava hospedado foi fechada. Foi a abertura do Projeto Canaã que lhe deu a chance de tentar uma nova vida.
Ele conta que, junto com o irmão mais velho, Marcelo, decidiu recomeçar a vida e se tratar da sua doença. ?A gente não estava vivendo. Até os 25 anos eu não era dependente, mas chegou um tempo que eu acordava com vontade de álcool e só dormia por causa do efeito. A verdade me libertou?, afirma.
Os dois, que antes trabalhavam juntos em diversas atividades, começaram juntos a recuperação, que mesmo em família, não foi fácil, segundo Silva. Marcelo já saiu do centro, se casou e recuperou a vida que tinha perdido. Silva está na fase final, trabalhando fora e voltando para dormir no centro. Nas horas vagas, se dedica ao seu trabalho com madeira e espera, como irmão, ter novamente a chance de reconstruir uma família, dessa vez livre de todas as complicações que a dependência trás.
COMO CONSOLO, UMA BÍBLIA E MUITOS AMIGOS
Ao chegar a casa, os internos recebem roupas, calçados, alimentação e condições de se estabelecer. Para João Antonio dos Santos, que veio de Três Barras um mês e meio atrás, o Desafio Jovem deu mais que isso: trouxe dignidade novamente para sua vida. ?Eu cheguei aqui sujo, barbudo, cabeludo, com a perna estraçalhada e parecendo um mendigo. Não comia mais, só tomava?, relembra. Santos está com a perna direita engessada e, ainda em recuperação, ele conta com graça como se machucou, ironizando a situação em que se encontrava devido à bebida. Foi de tanto brincar com o vício que se arrasta em sua vida desde que tinha dezessete anos de idade que Santos agora se recupera. Ela conta que foi atropelado por um amigo que sempre o ajudava e que quase morreu, porque, bêbado, ele se jogou na frente do carro. Foi socorrido, passou por dias no hospital, mas não conseguiu largar o vício. Por não abandonar a bebida, também acabou ficando sozinho e passou a viver como mendigo, dormindo na rua e usando o pouco dinheiro para comprar bebidas, até que um policial o convidou para ir até a Igreja.
?Eu na hora pensei no bar que fica na frente da igreja e, com R$ 3 no meu bolso, fiquei feliz por poder garantir o porre. Como eu estava muito sujo, o irmão me levou para a casa dele, fez eu tomar banho, me deu roupa limpa, mas eu não conseguia pensar em não ir para o bar, na hora do culto. Acabei ficando em consideração a eles. Chorei durante toda a celebração e quando eles me indicaram o projeto, resolvi aceitar e agora estou aqui, uma outra pessoa. Quero sair daqui e nunca mais colocar bebida na boca?, conta.
Desvinculado de qualquer igreja, mas sendo ajudado por pessoas de diferentes credos, a recuperação dos dependentes do Desafio Jovem hoje é pautada na religião, no estudo da Bíblia e no cultivo da amizade. Buscando apoio para melhorar as instalações e a qualidade do ambiente de recuperação, João Ricardo busca apoio em diversos setores da sociedade para recuperar ainda mais famílias. ?É difícil a pessoa se internar, buscar outra vida. Elas poderiam estar roubando ou estar presas, mas estão aqui recuperando sua dignidade?, afirma.
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