Letalidade da Operação Contenção desprespeitam comunidades, dizem ONGs

Por Guilherme Jerônymo Repórter da Agência Brasil

Letalidade da Operação Contenção desprespeitam comunidades, dizem ONGs

A Operação Contenção, deflagrada nesta terça-feira (28) pelas polícias Civil e Militar do estado do Rio de Janeiro, soma mais de 120 mortos na capital fluminense. A Agência Brasil ouviu grupos de direitos humanos e organizações não governamentais que se debruçam há anos sobre o tema da segurança pública para analisar o método e os resultados da ação.

Para a diretora executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo, a operação reproduziu uma lógica que vem sendo empregada no Rio de Janeiro há muitos anos de que a principal forma de combater o crime organizado é por meio de operações violentas, que geram caos e levam a violência às comunidades, que já são por sua vez muito vulneráveis.

Para ela, esse modelo vitima moradores, afeta serviços públicos, põe em risco a vida de crianças, mas não atinge de fato o coração do crime organizado.

Ainda que a liderança esteja presa, ela [a ação] gera enfim, um custo muito alto para aquela comunidade que já sofre diariamente com toda a falta de acesso aos direitos e aos serviços públicos.

Segundo a pesquisadora, a operação também descumpriu a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, que é um conjunto de medidas que o Supremo Tribunal Federal (STF) colocou como indispensáveis para o planejamento e execução de políticas de segurança pública no estado, criticadas pelo governador Claudio Castro durante na terça-feira.

Carolina Ricardo criticou ainda falhas no planejamento das ações, com o deslocamento de policiais inexperientes junto do grupo que realizou a atuação ostensiva, que exigia um nível de complexidade maior, além de não garantir, pelo nível de violência que se viu nos corpos das vítimas, nenhum respeito aos direitos básicos. 

Se a gente fosse um país sério, uma operação séria, a gente precisaria analisar cada caso de morte para entender qual foi a situação. Mas, olhando o todo, acho que dá para dizer que foi uma operação que viola, no mínimo, os preceitos da ADPF 635, diz a porta-voz do Instituto Sou da Paz.

Faltou, para a analista, maior esforço para impedir a chegada de armamentos longos como os que os criminosos usaram para combater os policiais e para cercar e sufocar as facções atingindo sua fonte de recursos e os mecanismos que usam para lavar esse dinheiro. Para Carolina, apenas depois de enfraquecer esses grupos, é que se deve partir para ações ostensivas. Mas isso demora e rende menos capital político, completa.

A pesquisadora entende que esse tipo de operação obedece uma lógica e um cálculo político:

Essa lógica de operação com alto nível de letalidade, infelizmente, é um modo de fazer política. Cláudio Castro tem usado isso recorrentemente. E isso, em alguma medida, infelizmente, reverte positivamente, porque parte da sociedade aceita e compra esses resultados como se eles fossem positivos, conclui.

Foi uma lógica política semelhante às operações do governo paulista, embora com uma forma de atuar no território diferente, inclusive por conta da realidade do Rio ser muito distinta daquela da Baixada Santista.

Carolina conta que outro aspecto peculiar desta operação se viu na reação do crime organizado que surpreendeu a polícia, seja pelo tipo de armamento utilizado, seja pela extensão da resposta da facção, ambos indicativos, segundo a pesquisadora, de que o planejamento foi insuficiente. 

Desastre planejado

Para o pesquisador Luís Flávio Sapori, ligado ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), a percepção da opinião pública começa a se construir na direção de que os erros da operação não estão na quantidade de mortos, simplesmente. Ela é, claro, algo sem precedentes e sem justificativa, mas não algo que não estava em seu cálculo inicial.

Esse modelo de atuação da polícia no Estado, tanto militar quanto civil, de enfrentamento direto, de troca de tiros, de fazer o enfrentamento ao crime organizado como uma guerra particular, com o objetivo de exterminar o suposto inimigo, é uma técnica, uma tática de enfrentamento. Isso é característico do Rio de Janeiro há décadas." 

Sapori conta que esse modo de operação também é característico de sucessivos secretários de segurança, de comandantes de polícia, e governadores que passaram pelo Rio de Janeiro. Ele faz ainda uma relação entre a violência policial e a corrupção na corporação. 

"Cláudio Castro é mais um nessa linha de tempo de uma classe política que sempre deu essa diretriz clara às suas polícias. Isso explica porque, historicamente, a polícia do Rio sempre foi uma das mais violentas do Brasil, com um dos maiores grau de letalidade, e não é por acaso também uma das mais corruptas do Brasil. A polícia muito letal é também uma polícia muito corrupta, conforme os estudos científicos evidenciam no mundo inteiro. 

Em uma situação em que o governador, que é a autoridade máxima para as polícias estaduais, autoriza esse tipo de ação ostensiva e violenta, ela passa a ser um recurso operacional, corriqueiro, legitimado e naturalizado, com um nível de vitimização absurdo.

Mas isso não é só no Rio de Janeiro, outros governos estaduais no Brasil estão também no mesmo caminho: é o caso da Bahia, alerta o pesquisador do FBSP. 

Como resultado temos a cena, forte e crua, de corpos enfileirados no chão, das dezenas de mortos na comunidade da Penha, o que para Sapori é uma cena dantesca, é uma cena bárbara, quase que medieval, e uma cena que deixa marcas na comunidade.