Pelo menos dois adolescentes, um de 14 e outro de 17 anos, foram mortos na operação policial nos complexos da Penha e do Alemão contra o Comando Vermelho, na semana passada. Ao menos outros seis tinham menos de 20 anos.

O balanço oficial aponta que a ação deixou 121 pessoas mortas, sendo dois policiais civis e dois militares. Nomes, fotos e idades dos civis, inclusive dos adolescentes, foram divulgados em uma lista da Polícia Civil, que também continha anotações criminais e postagens nas redes sociais usadas pela polícia como indicadores de que os mortos tinham ligação com tráfico de drogas.

O menor dos adolescentes mortos, de 14 anos, era de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. O pai do menino, Samuel Peçanha, trabalhador de serviços gerais, contou à Agência Brasil, ainda na porta do Instituto Médico Legal, semana passada, que o adolescente tinha saído para bailes nos complexos da Penha e do Alemão, quando sumiu.

Samuel largou o emprego para procurar o menino na capital e relatou o sofrimento da família durante a entrevista. Além da mãe, o menino deixou três irmãos.

Ele tinha 14 anos, mas vinha com os amigos para frequentar esses bailes, contou Samuel. Filho a gente não segura, né?, lamentou. 

No dia da ocorrência, o pai falou com o garoto de manhã e cobrou que ele voltasse para casa. Eu falei com ele 8h40, e ele disse que ia vir. Eu estava cobrando, mas, depois disso [da operação], o telefone dele se calou, lembrou Samuel.

O adolescente foi reconhecido por pessoas da comunidade, que contaram ao pai que ele foi morto na mata, área onde se deu o confronto mais violento, com a participação do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar (Bope).

A Agência Brasil não conseguiu localizar a família do adolescente de 17 anos. Ao Jornal O Globo, o avô do jovem disse que tentou se despedir do garoto quando o corpo foi enfileirado com mais 80, na Vila Cruzeiro. O homem, que preferiu manter o anonimato, contou que criou o neto, como filho, mas não conseguiu impedir o envolvimento com o crime.

Dentro da comunidade, a gente acaba perdendo para isso aí (aponta para a fila de corpos). Você perde o filho duas vezes: uma quando ele já não consegue te escutar (e entra para o crime) e depois quando morre, desabafou, emocionado, ao O Globo.

O avô disse ao jornal que chegou a enfartar por causa dos problemas anteriores do adolescente e que, por isso, estava afastado do trabalho. No dia da operação, ele disse que falou com o neto ainda de madrugada e que ele tinha prometido se cuidar, em meio à operação.

Oito mortos com menos de 20 anos

Apesar de imprecisões identificadas pela Agência Brasil na lista divulgada pela Polícia Civil nesta semana, como o erro na data de nascimento de pelo menos um dos mortos Yago Ravel, de 19 anos, nasceu em 2006, e não em 1998 , o documento revela que pelo menos um em cada três assassinados era jovem, com até 25 anos.

Oito não tinham completado 20 anos, e mais da metade tinha 30 anos ou menos. A pessoa mais velha entre os mortos completaria 55 anos em 2025. 

Além das anotações criminais, a polícia incluiu na lista dos antecedentes criminais dos mortos supostas provas da relação de alguns deles com o tráfico de drogas. Um dos jovens foi associado à facção Comando Vermelho, alvo da ação, por ter postado figurinhas vermelhas de uma flor e uma bandeira em perfil de rede social

Reprodução de trecho da lista divulgada pelo governo do estado do Rio de Janeiro Foto: Divulgação

Os dois adolescentes assassinados, no entanto, foram flagrados nas redes posando ao lado de fuzis.

Ao divulgar a lista, o secretário de Polícia Civil do Rio de Janeiro, Felipe Curi, minimizou o fato de parte dos mortos não ter imagens em redes sociais portando armas nem anotações criminais.

"Não significa nada. Se eles não tivessem reagido à abordagem dos policiais, teriam sido presos em flagrante pelo porte de fuzis, granadas e artefatos explosivos, por tentativa de homicídio contra os agentes de segurança e também pelos crimes de organização criminosa e associação para o tráfico de drogas. Portanto, são narcoterroristas que saíram do anonimato".

Ausência do Estado 

Ativista dos direitos humanos, ex-vereadora e uma das fundadoras do Movimento Moleque, que apoia mães de filhos vítimas da violência, Mônica Cunha observa uma realidade perversa no fato de jovens terem sido a maioria das vítimas da Contenção. Ela culpa o racismo por retirar investimentos públicos de áreas mais pobres das cidades e de políticas públicas que atendam a população negra, como saúde, educação, cultura e até a ressocialização.

O Estado produz esses meninos para, quando matar, ter uma justificativa, avaliou.

Para a ativista, os investimentos públicos que deveriam ir para a juventude, em uma lógica oposta, são direcionados a ações de militarização da segurança baseadas no confronto, como as operações policiais, que produzem um alto número de mortes.

 

Ativista fundadora do Movimento Moleque, Monica Cunha. Foto: Divulgação/Katja Schilirò 

Por outro lado, ela vê na rejeição desse grupo pelo Estado uma porta para organizações criminosas, que se apresentam como uma alternativa de pertencimento ilusória.

O poder paralelo é um lugar de aceitação. É um lugar que ninguém vai estar me olhando, me julgando, me dizendo que eu sou diferente, julgando minha fala, minha roupa ou o meu cabelo. Eu vou estar com os meus iguais. A escola não tem água, a cultura não existe, o que ele canta ou o que ele dança é feio (...). O poder paralelo usa tudo isso.

Mônica define essa lógica como genocida, não apenas pelas mortes diretas, mas por eliminar oportunidades de um jovem negro ter uma vida digna. O genocídio não se dá apenas quando ele [o Estado] aponta o fuzil e bota esse corpo no chão. O genocídio se dá lá atrás, quando, [o Estado] tira tudo, quando deixa esse jovem sem oportunidade. 

A perda de vidas deveria ser inaceitável, segundo a defensora. A sociedade deixa de renovar os seus quadros e de contar com esses olhares para solucionar suas próprias questões. Estamos perdendo o nosso futuro enquanto humanidade, concluiu.

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