Dia da Consciência Negra no Rio marca incentivo à economia preta
Por Bruno de Freitas Moura - Repórter da Agência Brasil
Fonte: Agência Brasil
Publicado 20/11/2025 17:10
Dia da Consciência Negra no Rio marca incentivo à economia preta (Fotos: Agência Brasil)
No meio da Avenida Presidente Vargas, uma das principais do centro do Rio de Janeiro, o monumento em homenagem ao líder negro Zumbi dos Palmares amanheceu nesta quinta-feira (20) cercado de manifestações populares, como música e dança. O local é um dos pontos mais tradicionais da celebração do Dia da Consciência Negra.
Em meio às atrações e discursos de ativistas e personalidades do movimento negro, um enorme buffet vendia pratos da culinária afro-brasileira. O ponto de venda era uma expressão do que a empreendedora Carol Paixão chama de economia preta.
O conceito, também conhecido como black money (em inglês, dinheiro negro), consiste em um movimento socioeconômico de fazer o capital girar dentro da comunidade negra.
É uma economia que bebe da africanidade, diz a empreendedora à Agência Brasil.
A gente está falando de uma economia que visa à população preta, que visa empregar mais pessoas pretas, completa ela, em meio a pratos da África do Sul e Moçambique, além da feijoada brasileira.
Manifestações populares no centro do Rio de Janeiro no Dia da Consciência Negra. Na foto, Cortejo da Tia Ciata - Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Carol é responsável pelo Império Kush, estabelecimento no centro do Rio. O nome é referência a um antigo império africano. Ela explica que o conceito de black money também se estende à relação com outros empreendimentos.
Quando a gente fecha parceria de prestação de serviço, a gente também visa que sejam todos pretos, enfatiza.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pessoas pretas e pardas vivenciam mais o desemprego do que as brancas, além de receberem salários menores e trabalharem mais na informalidade.
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Dia da Consciência Negra no Rio de Janeiro
Reparação
À frente do busto gigante de Zumbi, o presidente do Conselho Estadual dos Direitos do Negro (Cedine), Luiz Eduardo Oliveira, o Negrogun, aponta que a presença, ano após ano, no monumento no dia do feriado é um sinal de persistência.
Nós temos que ter reparação já, declarou à Agência Brasil, em referência aos danos causados por mais de 300 anos de escravidão negra no país.
O Cedine é uma instância que reúne representantes do governo estadual e ativistas, como Negrogun.
Quilombolas
Zumbi liderou a resistência contra a escravidão em um conjunto de quilombos que existiu por cerca de um século onde hoje é a cidade alagoana de União dos Palmares. Ele foi morto em 1695.
Negrogun, Bia Nunes e Rose Cipriano participam de ato no Dia da Consciência Negra no monumento a Zumbi - Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Necessidade de reparação é vocabulário presente nas comunidades quilombolas. De acordo com o Censo do IBGE, em 2022, havia no Brasil 1,3 milhão de quilombolas, correspondendo a 0,65% da população. Oito em cada dez vivem com saneamento básico precário.
A presidente da Associação Estadual das Comunidades Quilombolas do Estado do Rio de Janeiro (Acquilerj), Bia Nunes, enfatizou a pressão exercida por descendentes de habitantes dos quilombos.
As comunidades quilombolas são referência de resistência dentro desse país. São homens e mulheres que vêm, desde a sua geração, da sua ancestralidade, resistindo dentro dos seus territórios, morrendo pelo território, mas sustentando e os protegendo, disse Bia Nunes à Agência Brasil.
Se não fosse a população originária e a população quilombola, nós não teríamos a biodiversidade que temos nesse país. É isso que representam os territórios quilombolas no Brasil, completou a líder que representa 54 comunidades quilombolas fluminenses.
Favelismo
O escritor, filósofo e ativista Gê Coelho vê semelhança entre a resistência dos quilombos, no tempo da escravidão, e as atuais favelas.
As favelas, na verdade, são uma luta contra a opressão do Estado às pessoas mais pobres, mais humildes, mais periféricas, afirmou ele, que lançou este ano o livro Favelismo: A revolução que vem das favelas.
Ele contextualiza que o monumento de Zumbi fica a cerca de 600 metros do Morro da Providência, considerada a primeira favela do Brasil, surgida no final do século 19, para abrigar soldados que combateram na Guerra de Canudos (1896-1897), na Bahia.
Escritor Geraldo Coelho, autor do livro Favelismo, a revolução que vem das favelas - Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Gê Coelho considera que atualmente a resistência acontece por meio de disputas no campo das ideias. Ele defende que sejam criadas universidades dentro de favelas brasileiras.
A maioria das pessoas que vão falar sobre nós vão contar uma história que não é a nossa história, que não é a nossa realidade, critica.
A gente precisa ter uma universidade, não é contando a história a partir deles, e sim a partir de nós, do nosso conhecimento, acrescenta.
De acordo com o IBGE, pretos e pardos são 55,5% da população do país, no entanto formam 72,9% dos moradores de favelas.
Luta de todos
No evento, que também teve ação social como campanha de vacinação, o deputado federal Reimont (PT-MG), presidente da Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial da Câmara dos Deputados, defendeu que a luta do negro não é só do negro.
É claro que o negro tem o espaço de fala do racismo que sofre, mas nós, os brancos, que compreendemos que essa terra é de todo mundo, temos que ser solidários na luta e colocarmo-nos à disposição para fazer essa luta, para que a humanidade aconteça, disse à Agência Brasil.
Convite à marcha
O dia de celebração e cobrança também serviu para a coordenadora do Comitê Estadual da Segunda Marcha Nacional das Mulheres Negra, Rose Cipriano, fazer um convite para a manifestação popular que será realizada, em Brasília, na próxima terça-feira (25).
A gente sabe que até hoje a população negra sofre os impactos do racismo, as mulheres em especial. A gente sabe dos índices de violência, da pouca representatividade e que hoje, século 21, a gente ainda está chegando pela primeira vez a alguns lugares, constatou a coordenadora.
Angela Davis [ativista negra americana] já diz, mulheres negras movimentam a estrutura da sociedade, é por isso que vamos para a marcha por reparação e bem-viver, incentiva.
A primeira edição do movimento ocorreu em 2015, também na capital federal. São esperadas 1 milhão de pessoas na próxima semana.
Cortejo da Tia Ciata percorre ruas do centro do Rio de Janeiro - Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Cortejo Tia Ciata
As ruas que cercam o monumento de Zumbi foram espaço de apresentação do cortejo de Tia Ciata (1854-1924), negra baiana considerada a matriarca do samba.
Milhares de pessoas de baianas carnavalescas a crianças de escolas de samba formavam a manifestação cultural repleta de referência à cultura afrodescendente e mistura de batuques, como samba, maracatu, afoxé e bateria de escola de samba. O prefeito do Rio, Eduardo Paes, acompanhou a celebração.
Brasil - Angola
O cônsul-geral de Angola no Rio de Janeiro, Mateus de Sá Miranda Neto, deu tom internacional à celebração, lembrando que o mês de novembro também é representativo para Angola, nação africana origem de negros escravizados que vieram para o Brasil.
Novembro para nós é um mês muito importante. É o mês que resultou a grande luta que tivemos de travar contra o colonialismo, luta que nos conduziu ao 11 de novembro de 1975, a nossa independência.
Assim como o Brasil, Angola foi colonizada por Portugal.
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