Reparação e bem-viver: por que marcham as mulheres negras

Por Isabela Vieira - Repórter da Agência Brasil

Desde o princípio, teimosar, na Paraíba, é verbo. Ele nomeia a obstinação de um contingente de mulheres negras que estão a caminho da 2ª Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem-viver, em Brasília. A delegação viajará quase dois dias para se juntar a 1 milhão de mulheres no dia 25 de novembro.

Elas vão marchar em defesa do bem-viver, que passa pelo acesso a direitos básicos - como moradia, emprego, segurança -, mas também por uma vida digna, livre de violência e por ações de reparação.

Esta agenda inclui medidas para promover mobilidade social, considerando os danos deixados pela escravidão e a expropriação da população negra através de séculos.

Na Paraíba, a expressão "teimosando" foi adaptada pelo movimento de mulheres negras a partir de um discurso da líder quilombola e enfermeira Elza Ursulino. A declaração canalizou as aspirações para a marcha de 2025, explicou Durvalina Rodrigues, ativista e coordenadora da organização paraibana Abayomi.

"Durante uma homenagem, em 2024, Elza, do quilombo Caiana dos Crioulos, no interior do estado, contou como ela era reprimida pelo pai por provocar discussões na comunidade, né?, [Por provocar] Reflexões sobre a situação do quilombo e que ela, na 'teimozeira', insistia em melhorar". 

A organização, cujo nome significa "encontro precioso", em iorubá, que reúne e atende mulheres negras de diversos perfis, nasceu da primeira marcha de mulheres negras, em 2015.

"Naquela época, sabíamos que a marcha ia ser algo grande, mas nós não tínhamos a ideia de que seria histórico", lembrou Durvalina.

No retorno para casa, ao fazer um balanço, as ativistas decidiram fundar a Abayomi e ampliar as discussões que a marcha tinha proposto, com foco no enfrentamento ao racismo e às violências.
 

Brasília - Marcha das Mulheres Negras Contra o Racismo, a Violência e pelo Bem Viver em Brasília, de 2015. Foto: Marcello Casal jr/Agência Brasil

Jornada

Junto com outras organizações de mulheres negras paraibanas e nordestinas, a instituição organizou uma série de atividades ao longo de 2025, com o intuito de discutir o bem-viver e a reparação, temas da marcha em Brasília, esse ano.

O primeiro foi abordado pela perspectiva do autocuidado como um ato político, de resistência, mas de impacto coletivo, e, o segundo, como forma de compensar os quase 400 anos de escravidão e o legado racista que, até hoje, determina as condições de vida de pessoas negras.

Sob a ótica do bem-viver, o auto-cuidado, que vai além de rituais individuais, volta a ser um tema da marcha, dez anos depois.

"O estresse no trabalho, no lar e na comunidade, geralmente, deixa pouco tempo para o autocuidado, um caminho que provoca doenças crônicas, sofrimento psicológico e solidão" com impactos coletivos, explicou a psicóloga Hidelvânia Macedo, da Abayomi. Por outra ótica, quando exercido, o auto-cuidado impacta positivamente na autoestima e na autodeterminação, destacou.

Nesta segunda edição, o bem-viver é tratado ao lado da busca por reparação, ou seja, de medidas que permitam a correção de distorções reflexo do racismo estrutural, que é o tratamento desigual dados às pessoas negras devido à estrutura da sociedade.

Ao contrário de contingentes de imigrantes, as pessoas negras escravizadas no Brasil não tiveram direito a indenização após a abolição, tampouco acesso à terra e à educação. Frequentar escolas, por anos, era proibido.

Essas questões estão na base das desigualdades que chegaram até os dias atuais. Na região Nordeste, por exemplo, onde a taxa de analfabetismo é o dobro da nacional (14%) e há uma maior proporção de pessoas na extrema pobreza e na pobreza, vivem mais pessoas pretas e pardas*