O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou nesta terça-feira, 29, que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva está disposto a conversar com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre o tarifaço de 50% imposto ao Brasil, mas não a passar por uma humilhação.
"A maior potência do mundo resolveu virar a mesa. Estamos procurando os canais para trazer para a racionalidade. Agora, isso tem de ter um protocolo: você não vai querer que o presidente Lula se comporte como o Bolsonaro se comportava, abanando o rabo, falando 'I love you' e batendo continência. O presidente Lula tem outro tipo de perfil", disse em entrevista à CNN Brasil.
"Se houver uma reunião entre os presidentes, um telefonema entre os presidentes, nós temos de ter a segurança que não vai acontecer com o presidente Lula o que aconteceu com o Zelensky (Volodymyr Zelenski, presidente da Ucrânia), que passou um papelão na Casa Branca."
O ministro afirmou que o Brasil tem condições de "não fazer do dia 1º de agosto um dia fatídico", em referência ao início da vigência do tarifaço, nesta sexta-feira, 1º.
"Nós vamos continuar negociando, os canais estão sendo desobstruídos; vagarosamente, mas estão", disse Haddad em entrevista à CNN Brasil.
Plano de contingência
O ministro afirmou que, desde a data do anúncio, está trabalhando em medidas econômicas para o "plano de contingência", mas repetiu que não vai antecipá-las. Segundo Haddad, não há clareza das ações que o governo americano vai tomar a partir do dia 1º, nem mesmo do secretário de Estado dos EUA.
Como antecipou o Estadão, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai esperar o início da vigência do tarifaço, previsto para sexta-feira, para bater o martelo sobre as medidas.
"Você começa a ver que nem da parte deles há total clareza. Então, como é que eu vou anunciar uma medida hoje de um ato que eu desconheço e que eles desconhecem? Não está claro para nós o que vai ser", disse Haddad.
O ministro repetiu que Lula vai decidir entre um cardápio de diferentes medidas para o plano de contingência. "Tem desde coisas estruturais até coisas de curto prazo, que é, por exemplo, o socorro a empresas que sejam duramente afetadas e não tenham condições de enfrentar esse desafio que está sendo imposto ao Brasil", disse.
Um socorro às empresas poderia ocorrer via concessão de crédito a juros baixos e com prazo de carência, como ocorreu após a tragédia do Rio Grande do Sul em 2024, explicou Haddad. As empresas brasileiras provavelmente terão de se adaptar e abrir novos mercados, mas não poderão fazê-lo no curtíssimo prazo, disse.
"Nós estamos procurando apresentar um cardápio para o presidente que possa ser utilizado de acordo com a necessidade de cada setor", reforçou o ministro da Fazenda.
Ele explicou que os quatro ministérios que trabalham mais de perto em relação às medidas são Fazenda, Casa Civil, Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços e Relações Exteriores. No entanto, disse que outras pastas, como a Agricultura, também participaram.
Haddad disse que várias medidas estudadas pelo governo vão depender de aval do Congresso. Ele avaliou que o Legislativo deve dar anuência a essas ações.
"Eu entendo que o Congresso não vai se furtar a atender esses setores que estão sendo afligidos por essas medidas", disse Haddad. "Seria estranho até que um apoio às empresas afetadas não fosse considerado com generosidade pelo Congresso Nacional."
O chefe da Fazenda afirmou esperar apoio de todas as forças políticas às medidas, diante do tamanho da emergência, ponderando que o Legislativo tem a liberdade de propor mudanças nas ações. A maioria das ações depende de aprovação de leis, disse o ministro.
'Não podemos cometer o erro simétrico', diz Haddad sobre retaliação
Haddad descartou nesta terça-feira a possibilidade de o governo federal retaliar os Estados Unidos com tarifas próprias. No dia 9 de julho, o presidente americano, Donald Trump, anunciou a cobrança de tarifas de 50% sobre produtos brasileiros.
"Assim como eu estou dizendo que o governo Trump pode estar dando um tiro no pé, encarecendo produtos brasileiros que estão na mesa do americano, nós não podemos cometer o erro simétrico, que seria encarecer aquilo que concorre para melhorar a produtividade da nossa economia, baixar custos, etc", disse Haddad.
O ministro negou que as medidas em estudo pelo governo brasileiro sejam algum tipo de retaliação. Trata-se, na verdade, de "reações de proteção", ele argumentou. Segundo o ministro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ficou satisfeito com as medidas, porque dão a ele graus de liberdade para decidir.
Segundo Haddad, todas as medidas respeitam regras internacionais e a Organização Mundial do Comércio (OMC), por exemplo. Ele disse que Lula vai saber conduzir esse processo com sobriedade, sem bravata ou submissão, e vai dar a resposta com altivez e soberania. Ele destacou que o estilo do presidente americano Donald Trump é difícil para o mundo todo.
'Pisando em ovos' com a Casa Branca
Haddad disse que todo o mundo está "pisando em ovos" para saber o que o governo dos Estados Unidos quer. Ele afirmou que é preciso compreender isso para chegar a qualquer proposta de negociação em relação à política comercial.
O ministro disse que não foi o Brasil que criou um problema com os EUA que tenha levado ao anúncio das tarifas de 50%. Ele afirmou que o governo americano "virou a mesa", lembrando que, durante o governo Biden, teve "inúmeras conversas" com a então secretária do Tesouro, Janet Yellen, buscando parceria com os EUA.
Haddad disse que há mais tópicos em relação à investigação americana sobre práticas comerciais do Brasil do que os que constam na carta publicada em redes sociais por Trump. Ele lembrou que as provocações feitas pelo governo aos EUA ainda não foram respondidas.
"Por isso que eu te digo: é muito difícil hoje, antes de saber a decisão do governo dos Estados Unidos, qual decisão vai ser tomada, nós anteciparmos qualquer medida", disse Haddad.
Por causa dessa incerteza, é necessário ir adotando medidas eventualmente necessárias progressivamente, com o objetivo de mitigar os efeitos deletérios das tarifas sobre a economia brasileira, ele disse. Citando números da economia, como o crescimento do PIB e o desemprego na mínima histórica, ele reforçou que é importante "proteger essas conquistas."
Haddad ainda relatou que está trabalhando para dialogar com as autoridades americanas desde o anúncio das tarifas de 10%. Ele disse ter se encontrado com o secretário do Tesouro americano, Scott Bessent, por intermédio do ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, em maio. E negou que o governo tenha subestimado o risco da política comercial de Trump, chamando atenção para uma "mudança de postura" dos EUA.
"De maio a julho, ele mudou completamente de postura em relação ao mundo. O que o México está sofrendo é muito mais grave do que o Brasil está sofrendo. O que o Canadá está sofrendo é muito mais grave do que o Brasil está sofrendo", disse.
'Pix não está concorrendo com quem quer que seja'
Haddad disse que o governo brasileiro ainda está tentando discutir alguns pontos da investigação comercial lançada contra o País pelos Estados Unidos. Um deles é a investigação sobre o Pix, afirmou o ministro, negando qualquer possibilidade de privatizar o sistema de pagamentos instantâneos do Banco Central.
"Não está na nossa ordem de considerações privatizar o Pix, porque o Pix, ao contrário do que querem fazer crer, não está concorrendo com quem quer que seja", disse. "O Pix, se for privatizado, vai acabar ensejando custos. É como se fosse uma tarifa que você vai estar impondo a quem hoje não paga nada para aportar o seu dinheiro de uma conta para a outra."
O escritório do Representante Comercial dos EUA (USTR, na sigla em inglês) anunciou no último dia 15 uma investigação sobre supostas práticas comerciais desleais do Brasil. No documento, mencionou o "sistema de pagamentos do governo", sem falar nominalmente do Pix. Como mostrou o Estadão/Broadcast, autoridades do governo brasileiro viram evidências de um lobby da Visa e Mastercard nesse ponto.
'Sabotagem' da oposição
Haddad aproveitou para criticar a oposição, acusando-os de estar "sabotando" uma iniciativa em Washington - em referência à comissão de senadores que está na capital americana para tentar negociar a não aplicação das tarifas.
"Já deve ter uma compreensão, e isso eu disse no primeiro dia do anúncio, que isso foi um grande tiro no pé. Você lutar contra o seu país, você concorrer para interesses de uma potência econômica que tem uma renda per capita cinco vezes superior à do Brasil, não faz o menor sentido isso", disse Haddad.
O ministro negou que Lula queira usar o tema das tarifas para tirar proveito político, aumentando sua popularidade. Mais uma vez, ele criticou uma força política dentro do País que estaria agindo contra o Brasil, referindo-se à família do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Haddad disse que a aprovação de Lula vem melhorando desde antes do anúncio das tarifas, com o projeto de isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil por mês. E acrescentou que ninguém estava contando com as tarifas.
Pauta de exportação
Haddad acrescentou que a pauta de exportações do Brasil é mais diversificada do que a de outros países ameaçados com tarifas, como Canadá e México. O País vende mais para outras regiões do que para os EUA, ele disse.
Além disso, o acordo de comércio entre Mercosul e União Europeia (UE) já está avançado e pode ser concluído ainda este ano, destacou o ministro.
O ministro lembrou que o Brasil tem déficit comercial com os americanos, o que elimina a necessidade de sanções econômicas. Ele acrescentou que as tarifas devem aumentar os preços de produtos para consumidores americanos, e podem derrubar os preços no Brasil, pelo redirecionamento de oferta.
"Tudo para dizer que a gente tem que ter muita cautela, muita sobriedade, nós não podemos nem ser arrogantes, nem ser submissos", afirmou.
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