Enquanto os portos catarinenses batem recordes de competitividade, a malha ferroviária do estado segue estagnada, revelando um atraso que ameaça sua vocação exportadora.

Santa Catarina ostenta alguns dos portos mais dinâmicos do Brasil. Só em 2025, o estado movimentou mais de 32 milhões de toneladas e passou a responder por quase 20% dos contêineres do país. Mas esse sucesso revela uma contradição: enquanto o setor portuário avança em competitividade, as ferrovias em Santa Catarina seguem limitadas a 763 km de trilhos, com volume de apenas 6,8 milhões de toneladas em 2024 — irrisório diante do potencial econômico do estado.

Essa discrepância expõe um problema histórico: Santa Catarina se modernizou nos portos, mas deixou os trilhos no esquecimento. O resultado é um modelo logístico excessivamente dependente do transporte rodoviário, caro, poluente e sujeito a gargalos que comprometem a competitividade internacional.

Um atraso que custa caro

O modal ferroviário responde por apenas 1,45% do total de cargas transportadas por trilhos no Brasil. O dado é alarmante quando se considera que o estado abriga um dos polos exportadores mais relevantes do país, com destaque para o agronegócio, carnes, grãos, carvão e indústria de transformação.

Esse atraso não é apenas uma questão de infraestrutura, mas também de escolhas políticas e prioridades históricas. Por décadas, o investimento em rodovias dominou a pauta, enquanto o modal ferroviário se manteve como promessa adiada. O custo desse desequilíbrio recai diretamente sobre empresas e consumidores: fretes mais altos, maior emissão de gases de efeito estufa e estradas congestionadas e desgastadas.

A lei que pode virar o jogo

Em 2025, a aprovação da Lei Estadual de Ferrovias (Lei nº 19.383/2025) foi apresentada como divisor de águas. O novo marco confere autonomia ao estado para conceder trechos e atrair investimentos privados, algo que até então dependia quase exclusivamente do governo federal.

Mas há um ponto de crítica: sem regulamentação ágil e segurança jurídica clara, o risco é transformar a lei em mais um instrumento de discurso político do que em um motor real de mudanças. Santa Catarina já conviveu com planos ferroviários que nunca saíram do papel. A diferença agora dependerá de execução — e não apenas de boas intenções.

Projetos que desafiam a realidade

Dois projetos concentram atenções:

Chapecó–Correia Pinto (319 km), estimado em US$ 2 bilhões;

Araquari–Navegantes (62 km), chamado de Ferrovia dos Portos, avaliado em US$ 300 milhões.

Ambos são estratégicos. O primeiro pode integrar o Oeste, coração agroindustrial, aos portos. O segundo é fundamental para aliviar gargalos do Litoral Norte. No entanto, a viabilidade passa por obstáculos: traçado em áreas densamente urbanizadas, custos elevados, necessidade de contornos e resistência social em cidades já pressionadas pelo crescimento.

Reflexões necessárias: para onde SC quer ir?

O debate sobre ferrovias em Santa Catarina exige uma reflexão mais profunda:

O estado vai repetir a lógica de priorizar obras rodoviárias imediatistas em detrimento de investimentos estruturantes?

Até que ponto o setor privado terá apetite para assumir riscos em projetos complexos sem garantias de retorno?

Como conciliar eficiência logística e sustentabilidade em um estado que se projeta como polo exportador, mas ainda depende de caminhões para levar sua produção aos portos?

São perguntas que extrapolam a esfera técnica e exigem visão estratégica de longo prazo.


Santa Catarina tem diante de si uma encruzilhada histórica. O marco legal de 2025 e os projetos em modelagem podem inaugurar uma nova era para as ferrovias. Mas, se o estado não transformar lei em obra, estudo em realidade e promessa em entrega, continuará a conviver com a contradição de ter portos do século XXI conectados por rodovias do século XX.

Mais do que nunca, os trilhos precisam deixar de ser pauta eleitoral para se tornarem base de uma política logística sustentável, competitiva e moderna.