Chefe do clima da ONU diz que país sem economia verde terá mais inflação e manda recado a EUA

Por Luciana Dyniewicz

No discurso de abertura da Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP30), o secretário executivo da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudança Climática (o órgão da ONU que organiza a cúpula), Simon Stiell, destacou a necessidade de cooperação entre os países para começar a implantação de medidas já acordadas em cúpulas anteriores.

Ele também disse que os países fora dos acordos multilaterais para combater o aquecimento global terão inflação maior, em recado indireto para os Estados Unidos, que deixarão o Acordo de Paris - pacto global para frear a crise climática - por ordem do presidente dos EUA, Donald Trump.

O secretário da ONU, porém, não citou Trump nominalmente em sua fala de abertura. "Aqueles que optam por ficar de fora ou dar passos tímidos enfrentam estagnação e preços mais altos, enquanto outras economias avançam rapidamente", disse.

"Cada ação para construir resiliência ajuda a salvar vidas, fortalecer comunidades e proteger as cadeias de suprimentos globais das quais todas as economias dependem. Esta é a história de crescimento do século 21 - a transformação econômica da nossa era", declarou.

Natural de Granada (pequeno país de 114 mil habitantes no Caribe), Stiell destacou que o mundo precisa definir como fará a transição dos combustíveis fósseis para fontes de energia limpa.

"Já concordamos que vamos fazer a transição dos combustíveis fósseis. Agora é o momento de focarmos em como fazer isso de maneira justa e ordenada. Focando nos acordos a serem feitos, para acelerar a triplicação das renováveis e dobrar a eficiência energética", afirmou.

Na COP28, em Doha, os países concordaram pela primeira vez em incluir em um documento a palavra "transição" em relação aos combustíveis fósseis, mas não definiram como isso será feito. Não há um item específico para tratar desse tema na agenda de discussões da COP, mas ele deve aparecer em debates sobre "transição justa".

Em discurso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu a construir um mapa sobre como se afastar dos fósseis. Historicamente, tem havido forte lobby para que o modo como a transição para longe dos combustíveis fósseis será feito não ganhe agenda própria, segundo especialistas.

Energia renováveis

Em seu discurso, Stiell destacou também a necessidade de o mundo aumentar as fontes de energia renováveis e elevar a eficiência energética, mas não mencionou possibilidade de se ampliar a produção de biocombustíveis, como o etanol. O governo brasileiro tem tentado inserir o tema nas discussões, tendo inclusive citado - em um documento da pré-COP- a necessidade de quadruplicar a produção dos biocombustíveis até 2035.

O Brasil é um dos países que mais se beneficiaria do aumento de demanda por biocombustíveis. No continente europeu, porém, a leitura é de que a produção de matéria-prima para combustível ocupa o espaço em terras que poderiam ser usadas para o cultivo de alimentos.

Crítica às NDCs

O secretário executivo frisou ainda que o mundo precisa colocar em prática o "Roteiro de Baku a Belém para 1,3 Trilhão" - documento elaborado pelas presidências da COP30, em Belém, e da COP29, no Azerbaijão, para alavancar o financiamento climático e chegar à cifra de US$ 1,3 trilhão a ser pago por países ricos para combater as mudanças climáticas.

Stiell afirmou também que compromissos individuais de países não estão diminuindo as emissões da forma adequada. Diante do fato que os países atrasaram ou não entregaram suas metas de redução de emissões (as chamadas NDCs), como deveria ter ocorrido neste ano, o secretário pediu para que o mundo avance mesmo sem elas na luta contra o aquecimento.

"Não precisamos esperar que as NDCs atrasadas cheguem lentamente para identificar a lacuna e projetar as inovações necessárias para resolvê-la."

Stiell comparou a COP ao Rio Amazonas, "um vasto sistema fluvial sustentado e alimentado por mais de mil afluentes". "Para acelerar a implementação, o processo da COP deve ser apoiado da mesma maneira - impulsionado pelos muitos fluxos de cooperação internacional."

Confira, a seguir, o discurso completo de Simon Stiell:

Excelências,

Há dez anos, em Paris, estávamos projetando o futuro - um futuro que veria claramente a curva das emissões cair.

Colegas, bem-vindos a esse futuro.

A curva das emissões caiu. Graças ao que foi acordado em salas como esta, com os governos legislando e os mercados respondendo.

Mas não estou amenizando a situação. Temos muito mais trabalho a fazer.

Precisamos avançar muito, muito mais rápido tanto na redução das emissões quanto no fortalecimento da resiliência.

A ciência é clara: podemos e devemos reduzir as temperaturas de volta a 1,5 °C após qualquer ultrapassagem temporária.

Lamentar não é uma estratégia. Precisamos de soluções.

Estamos aqui em Belém, na foz do Amazonas. E podemos aprender muito com esse rio poderoso.

O Amazonas não é uma entidade única, mas um vasto sistema fluvial sustentado e alimentado por mais de mil afluentes.

Para acelerar a implementação, o processo da COP deve ser apoiado da mesma forma - alimentado por muitos fluxos de cooperação internacional.

Porque os compromissos nacionais individuais, por si só, não estão reduzindo as emissões com rapidez suficiente.

Não precisamos esperar que as NDCs atrasadas cheguem lentamente para identificar a lacuna e projetar as inovações necessárias para resolvê-la.

Nenhuma nação pode se dar ao luxo disso, já que os desastres climáticos reduzem o PIB em dois dígitos.

Vacilar enquanto megassecas destroem as colheitas nacionais, fazendo os preços dos alimentos dispararem, não faz sentido algum, economicamente ou politicamente.

Discutir enquanto a fome se alastra, forçando milhões a fugir de suas terras natais, isso nunca será esquecido, à medida que os conflitos se espalham.

Enquanto os desastres climáticos dizimam a vida de milhões, quando já temos as soluções, isso nunca, jamais, será perdoado.

A economia dessa transição é tão indiscutível quanto os custos da inação.

A energia solar e eólica são agora as fontes de energia de menor custo em 90% do mundo.

As energias renováveis ultrapassaram o carvão este ano como a principal fonte de energia do mundo.

O investimento em energia limpa e infraestrutura atingirá outro recorde este ano - com os investimentos em energias renováveis superando os combustíveis fósseis em 2 para 1.

Então, o que precisa ser decidido aqui em Belém para corresponder às oportunidades, com a escala da crise que enfrentamos?

Porque já concordamos que faremos a transição para longe dos combustíveis fósseis. Agora é hora de nos concentrarmos em como fazer isso de forma justa e ordenada. Concentrando-nos em quais acordos firmar para acelerar a triplicação das energias renováveis e a duplicação da eficiência energética.

Já concordamos em fornecer pelo menos US$ 300 bilhões em financiamento climático, com os países desenvolvidos assumindo a liderança. Agora precisamos colocar o Roteiro de Baku a Belém em prática para começar a avançar em direção ao US$ 1,3 trilhão.

Já concordamos com uma meta global de adaptação. Agora precisamos concordar com os indicadores que ajudarão a acelerar a implementação, para liberar seu potencial.

Já chegamos a um acordo sobre uma meta global em matéria de adaptação. Agora precisamos chegar a um acordo sobre os indicadores que ajudarão a acelerar a implementação, para libertar o seu potencial.

Já concordamos que os caminhos de transição devem ser inclusivos e justos, abrangendo economias e sociedades inteiras. Agora temos de chegar a um acordo sobre medidas concretas para transformar as aspirações em ações.

Já chegamos a um acordo sobre um Programa de Implementação Tecnológica. Vamos pô-lo em prática.

É essencial obter resultados sólidos e claros em todas estas questões. É assim que sinalizamos ao mundo que a cooperação climática está produzindo resultados.

Em Belém, temos que unir o mundo das negociações às ações necessárias na economia real.

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Nenhuma sinopse definida

A Agenda de Ação não é algo "bom de se ter" - é fundamental para a missão. Mais do que isso, ela está totalmente alinhada com os interesses esclarecidos de todas as nações.

Cada gigawatt de energia limpa reduz a poluição e cria mais empregos.

Cada ação para construir resiliência ajuda a salvar vidas, fortalecer comunidades e proteger as cadeias de abastecimento globais das quais todas as economias dependem.

Esta é a história de crescimento do século XXI - a transformação econômica de nossa era. Aqueles que optam por ficar de fora ou dar passos tímidos enfrentam estagnação e preços mais altos, enquanto outras economias avançam rapidamente.

Parafraseando o presidente Roosevelt há mais de um século. Não é o crítico que conta, nem aquele que aponta onde o realizador poderia ter feito melhor. O mérito pertence àqueles que estão realmente na arena, com os rostos manchados de poeira, suor e sangue, que lutam bravamente.

Mas, amigos, deixem-me ser claro: nesta arena da COP30, o trabalho de vocês não é lutar uns contra os outros - o trabalho de vocês é lutar contra a crise climática, juntos.

Paris está trabalhando para alcançar um progresso real. Não nos esqueçamos disso.

Mas, amigos, devemos lutar bravamente por mais.

Obrigado