Parece sorvete, tem gosto de sorvete e é gelado como sorvete, mas é... bebida láctea. Pelo menos foi esse o entendimento da 1ª Turma da 1ª Câmara da 3ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Em uma vitória estratégica para a Arcos Dourados, operadora do McDonald's no Brasil, o tribunal decidiu, por 5 votos a 1, que as famosas casquinhas, sundaes e milk-shakes da rede não se enquadram na categoria de "gelados comestíveis".
A decisão deste mês permite que a empresa usufrua da alíquota zero de PIS/Cofins, um benefício fiscal reservado a bebidas lácteas, anulando uma autuação da Receita Federal que somava R$ 324 milhões.
A tese vencedora: 'Líquido de alta viscosidade'
A disputa girou em torno da física e da química dos alimentos. A fiscalização da Receita Federal argumentava que os produtos eram sorvetes do tipo soft, sujeitos à tributação normal, e que chamá-los de bebida seria um "extremo de tecnicidade" para evitar o imposto, já que o produto não é líquido aos olhos do consumidor comum.
No entanto, a defesa do McDonald's prevaleceu com argumentos técnicos extraídos de laudos periciais. A tese aceita pelos conselheiros baseou-se em dois pilares principais:
- Não é congelado: Para ser considerado sorvete (gelado comestível) pela legislação regulatória, o produto precisaria ser armazenado ou servido em temperaturas iguais ou inferiores a -8°C ou -12°C. A empresa comprovou que suas sobremesas são servidas ao consumidor entre -4°C e -6°C. Tecnicamente, elas estariam apenas "resfriadas".
- É um líquido viscoso: Laudos do laboratório Food Intelligence e do Instituto Nacional de Tecnologia (INT) apresentados no processo classificaram a massa da casquinha como um "líquido de alta viscosidade" ou "pasta cremosa". O argumento é que a máquina do restaurante apenas resfria a bebida láctea comprada dos fornecedores (como Vigor e Polenghi),sem alterar sua composição química.
O impacto no milk-shake
A decisão também abrangeu o McShake. A Receita questionava se o produto final mantinha as características de bebida láctea após a mistura de xaropes e sabores.
Os dados apresentados pela empresa, contudo, mostraram que o milk-shake mantém uma base láctea (leite e soro de leite) muito superior aos 51% exigidos pela Instrução Normativa nº 16/2005 do Ministério da Agricultura para ser considerado bebida. No caso do sabor Flocos, por exemplo, a base láctea chega a 73,1%; no de Chocolate, a 64,3%.
Divergência entre os conselheiros
O julgamento não foi unânime. O voto divergente, do conselheiro Ramon Silva Cunha, sustentou que o grau de viscosidade é determinante para a classificação do produto e que aceitar a tese da empresa desvirtua o conceito de sorvete. Para a Receita, a legislação deveria ser interpretada literalmente, e a aparência e consistência do produto (sólido/pastoso) deveriam prevalecer sobre a definição técnica de temperatura.
Com a vitória, o McDonald's valida sua estratégia tributária, confirmando que, para fins fiscais, comprar uma casquinha é o mesmo que comprar um iogurte ou leite fermentado.
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