Os Estados Unidos conseguiram gerar empregos durante o shutdown mais longo de sua história, mas o desemprego subiu em novembro ao maior nível em mais de quatro anos, colocando à prova a pausa de juros sinalizada pelo Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) na semana retrasada. Foram criados 64 mil empregos em novembro, acima da mediana de 50 mil apurada pelo Projeções Broadcast. Em outubro, contudo, foram cortadas 105 mil vagas, e houve revisões para baixo nos números de setembro e agosto. O Escritório de Estatísticas do Trabalho (BLS, na sigla em inglês) apontou um quadro de estagnação do emprego nos EUA.

O principal impacto negativo veio das vagas no governo federal, com o presidente dos EUA, Donald Trump, cortando a força de trabalho federal ao nível mais baixo em mais de uma década. Só em outubro, foram eliminados 162.000 empregos; somados aos cortes de mais 6.000 em novembro, as perdas chegaram a 271.000 desde janeiro. Excluídas as demissões no setor público, o cenário no setor privado pareceu mais positivo, segundo economistas.

O sinal de alerta foi dado pela taxa de desemprego, que alcançou 4,6% em novembro, acima dos 4,4% de setembro. Trata-se do patamar mais elevado em mais de quatro anos. O mercado previa estabilidade do indicador.

Em Wall Street, a visão é a de que o payroll consolidado de outubro e novembro joga contra as expectativas de uma manutenção mais prolongada dos juros americanos.

"Os dados do mercado de trabalho hoje não são encorajadores e abrem a porta para um movimento antecipado do Fed em 2026", diz o economista do CIBC Economics, Ali Jaffery. O banco canadense prevê agora dois e não somente um corte de juros no próximo ano.

O presidente do Fed, Jerome Powell, disse, na semana retrasada, que os dirigentes do Comitê Federal do Mercado Aberto (FOMC, na sigla em inglês) optaram por um novo corte de 25 pontos-base na reunião de dezembro porque o mercado de trabalho estava esfriando de forma mais gradual que o previsto.

Segundo ele, a geração de empregos nos EUA estava em média em 40 mil por mês desde abril, mas havia uma superestimação nesses números de cerca de 60.000, o que resultaria numa perda de 20 mil vagas por mês.

Para o economista da TS Lombard, Dario Perkins, o relatório payroll de hoje não mudou a história, especialmente diante do lembrete do BLS de que os últimos dados são "ainda" menos confiáveis do que o habitual. O Fed pode até cortar os juros em janeiro, mas a "situação não parece particularmente urgente", avalia.

"Não é possível quantificar com precisão o impacto total da paralisação do governo federal nas estimativas de emprego na folha de pagamento para outubro e novembro", alertou o BSL.

Com dados divergentes do payroll, o mercado ampliou as expectativas de que o Fed poderá cortar os juros na primeira reunião de 2026, agendada para janeiro. No entanto, as chances de manutenção ainda prevalecem.

Para a Capital Economics, desde que o desemprego nos EUA se estabilize nos próximos meses, o Fed pode não se preocupar tanto com o nível visto ao fim de novembro. O estrategista sênior de Investimentos da Charles Schwab, Kevin Gordon, lembra, porém, que a taxa de desemprego nos EUA subiu 1,2 ponto porcentual desde seu patamar mais baixo há 30 meses. "Nunca vimos esse tipo de aumento sem que a economia já estivesse em recessão", acrescenta.

A Pimco, com mais de US$ 2 trilhões em ativos sob gestão, avaliou os dados do payroll como "mistos", mas em linha com suas expectativas e, portanto, não pretende alterar seu cenário-base. Também acha "improvável" que mude a visão do Fed. O BC dos EUA poderá manter sua postura paciente na condução da política monetária, reforça a Oxford Economics.

"Uma economia com crescimento resiliente apesar dos choques de política monetária e um mercado de trabalho estável receberá novo estímulo, antecipado no primeiro semestre de 2026", diz a economista da Pimco, Tiffany Wilding, mencionando menor impacto das tarifas e cortes de impostos.

O presidente em exercício do Conselho de Assessores Econômicos da Casa Branca, Pierre Yared, minimizou preocupações com o aumento na taxa de desemprego dos EUA, em entrevista à Bloomberg TV, na terça-feira, 16. Já o conselheiro econômico da Casa Branca, Kevin Hassett, um dos fortes candidatos à presidência do Fed, afirmou que há "muito espaço" para o Fed cortar os juros.

Na visão do Bradesco, somente com os dados de dezembro será possível ter uma avaliação mais precisa quanto à real situação laboral na maior economia do mundo. "Com os dados atuais, a tendência é de que o Fed mantenha uma postura dovish", avalia o banco, em nota a clientes. O próximo payroll será divulgado no dia 9 de janeiro de 2026, às 10h30 de Brasília.