Vacina brasileira de covid fortalece ciência e país, diz ministra
O Brasil publicou este mês o primeiro artigo científico sobre testes de segurança envolvendo uma vacina contra a covid-19 totalmente nacional. Os resultados demonstram que o imunizante, chamado SpiN-TEC, é seguro. A dose avança agora para a fase final de estudos clínicos e deve estar disponível para a população até o início de 2027.
Desenvolvida pelo Centro de Tecnologia de Vacinas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a vacina conta com recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Ao todo, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) investiu R$ 140 milhões, por meio da RedeVírus, apoiando desde os ensaios pré-clínicos até as fases clínicas 1, 2 e 3.
Em entrevista à Agência Brasil e à TV Brasil, a chefe do MCTI, Luciana Santos, classificou o desenvolvimento do imunizante como algo revestido de simbolismos em meio à luta contra o negacionismo. Ela se mostrou otimista em relação a uma futura aprovação da dose pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e citou outras iniciativas de fomento de novas tecnologias em andamento no país.
Confira os principais trechos da entrevista:
TV Brasil: Ministra, o que representa o desenvolvimento dessa vacina para a ciência brasileira?
Luciana Santos: Um grande marco da luta contra as evidências científicas e do negacionismo se deu no auge da covid-19, uma pandemia que impactou o mundo todo. No Brasil, tínhamos um chefe de Estado que negava a ciência. E todos nós sabemos os impactos disso: fomos a segunda população do planeta com mais mortes por covid.
Acho que o desenvolvimento dessa vacina se reveste de muitos simbolismos. Primeiro, da capacidade da inteligência brasileira. Nós temos um histórico, através de instituições que são longevas, como a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Instituto Butantan, que, naquele momento de pandemia, acudiram através de transferência de tecnologia, o que salvou o povo brasileiro.
Os desafios para as pandemias vão ser cada vez mais urgentes. No caso específico, a SpiN-TEC, do Centro de Tecnologia de Vacinas da UFMG, que a gente apoiou com investimentos no montante de R$ 140 milhões, mostra que o Brasil é capaz de produzir soluções brasileiras, da inteligência brasileira.
Penso que é um momento de afirmação da necessidade de virar a página do negacionismo no país e de dizer que a inteligência brasileira resolve questões, resolve problemas. Fico imensamente feliz, orgulhosa e com a certeza de que a gente tem capacidade de enfrentar vários desafios.
A SpiN-TEC é um libelo à inteligência brasileira, 100% produzido no Brasil.
TV Brasil: O fomento do MCTI foi fundamental para o desenvolvimento da vacina. Que outras iniciativas de fomento de novas tecnologias estão em andamento para a melhoria da qualidade da saúde pública no Brasil?
Luciana: Como é um centro de tecnologia de vacinas que, inclusive, funciona em rede, contando com o Parque Tecnológico de Belo Horizonte, esse ecossistema é que faz valer as soluções. São muitas pessoas envolvidas no processo, muitas mãos para chegar a soluções complexas. Lá, nós vamos tratar da malária, da doença de Chagas, doenças propriamente do nosso clima, da nossa floresta tropical. Além das terapias que já existem hoje, nós vamos garantir uma vacina. Tudo isso está em andamento. É algo muito importante e animador.
Assim, a gente vai poder dar ênfase aos desafios do complexo industrial da saúde, que são garantir equipamentos, insumos, medicamentos e vacinas que possam enfrentar coisas que são próprias do Brasil, contra as quais só a gente mesmo é que pode apresentar soluções.
TV Brasil: O Brasil vem conquistando cada vez mais reconhecimento no mundo em vários campos da ciência. Um exemplo foi o mapeamento do genoma do coronavírus, realizado pela cientista Jaqueline Goes de Jesus. Como as políticas de fomento podem contribuir para esse processo?
Luciana: O complexo industrial de saúde engloba desafios propriamente da área de saúde, equipamentos, insumos e medicamentos. Aliás, esse é o segundo déficit da balança comercial do Brasil, próximo de US$ 20 bilhões. E eles integram a Nova Indústria Brasil [política industrial lançada pelo governo federal em janeiro de 2024, com o objetivo de impulsionar o desenvolvimento da indústria nacional até 2033].
É um desafio. Uma das escolhas que o Brasil fez foi nos tornarmos independentes, diminuir a nossa dependência desse conjunto de questões que diz respeito ao povo brasileiro. E, com isso, baratear custos, dar mais acesso, facilitar. Só pra dar um exemplo, a produção nacional do fator recombinante 8, que é um IFA [insumo farmacêutico ativo] de hemoderivados, vai significar US$ 1,2 bilhão a menos na balança comercial brasileira.
Toda essa agenda que o presidente Lula lidera vai na direção de superar a dependência, ainda mais no contexto que a gente está vivendo, de muito ataque à nossa soberania. Soberania diz respeito a conseguir garantir que algumas soluções para o povo brasileiro a gente não precise importar. Nossa infraestrutura de pesquisa, nossa inteligência, pesquisadores e pesquisadoras, esses milhares de brasileiros e brasileiras que estão nos laboratórios, nos estudos de ciência e tecnologia, nas universidades, produzindo soluções, precisam cada vez mais ter visibilidade pra gente dar valor.