""Primeiro Civil a Ser Incorporado Nesta Cia": a História de Antônio Ferreira de Souza e sua Relação com os Primórdios do 3ºBPM
O legado de "Antonhão": pioneirismo, dedicação e a memória de um dos primeiros membros da Polícia Militar em Canoinhas
Dando continuidade à série de entrevistas com veteranos do 3º Batalhão de Polícia Militar (3ºBPM), o décimo segundo entrevistado é Edilson Orlei Ferreira de Souza, que compartilhou com orgulho a trajetória de seu pai, o soldado Antônio Ferreira de Souza (in memoriam), conhecido entre os colegas como “Antonhão”. Mesmo já falecido, Antônio deixou marcas na Corporação, na comunidade em que atuou e, sobretudo, na memória do filho, que ainda recorda com detalhes e admiração as passagens da carreira do pai.
Segundo Edilson, Antônio era natural do Estado do Paraná, onde nasceu em 5 de fevereiro de 1922. Passou sua infância e adolescência na localidade de Fartura do Potinga, interior de São Mateus do Sul/PR. Nesta localidade, “meu pai viveu até ir para o Exército, servindo no Rio de Janeiro”. Durante a 2ª Guerra Mundial, “meu pai chegou a ser designado para ir para a guerra, mas enquanto aguardava o embarque, veio a ordem que não havia mais necessidade”. Encerrando o serviço militar, retornou à Fartura do Potinga, onde conheceu a esposa, Maria Rosa dos Santos, mãe de Edilson.
Após o casamento, mudaram-se para Canoinhas. Isso deve ter ocorrido por volta de 1948. Edilson estima essa data com base no nascimento do seu irmão mais velho, José Odival Ferreira de Souza (in memoriam). “Meus pais mudaram-se para Canoinhas antes do nascimento do meu irmão, que veio ao mundo nesse mesmo ano”. A respeito do ingresso do pai na PM, Edilson afirma: “Eu não sei exatamente como meu pai soube do caminho para entrar na polícia, mas quando ele veio para Canoinhas já tinha a intenção de ingressar na Corporação”.
Importante registrar, para fins de ilustração, que no ano de 1940 o 3º Batalhão de Polícia Militar e o prédio que abriga essa Unidade sequer existiam. Canoinhas, segundo Silva (1940, p. 80), era um destacamento policial “composto por 1 cabo e 7 soldados, três dos quais destacados no distrito de Papanduva” (que se tornaria município autônomo somente em 1954).
A construção do prédio que hoje abriga o 3ºBPM transcorreu entre as décadas de 1940 e 1950. Em meio a esse processo, a Lei nº 608, de 16 de novembro de 1951, previu a criação da 3ª Companhia Isolada (3ª C.I.), que seria sediada no novo quartel. A inauguração oficial ocorreu em 5 de maio de 1952. No entanto, antes mesmo da instalação formal da Companhia, Antônio ingressou na Corporação.
De acordo com o Boletim do Comando-Geral n.º 78, de 1º de abril de 1952, Antônio foi incluído como soldado de fileira voluntário por três anos na 3ª Companhia Isolada (3ª C.I.), com base em exames físicos e apresentação de documentação exigida. Na publicação, registra-se que era casado, tinha curso de cozinheiro, reservista de 1ª categoria e media 1,73m de altura. No álbum histórico do 3ºBPM (quanto ainda 3ª Cia Isolada), junto à sua foto, há a inscrição: “primeiro civil a ser incorporado nesta Cia”.
É essa companhia que, em 29 de novembro de 1960, transformar-se-ia no 3ºBPM. A Unidade abrangia uma expressiva área do interior do estado, incluindo Lages, Curitibanos, Rio do Sul, Joinville, entre outros municípios. Havia também os destacamentos nos distritos. Em Canoinhas, por exemplo, havia em Felipe Schmidt e Paula Pereira, normalmente com apenas um policial atuando. Até mesmo na localidade de Rio dos Poços havia destacamento.
Por já ser reservista de 1ª categoria, Antônio não precisou fazer curso de formação. “Meu pai ingressou na polícia, ganhou farda e já começou a trabalhar”, relembra Edilson. Inicialmente, atuou na sede da Companhia. “Quando eu nasci, em março de 1953, meu pai estava lotado em Canoinhas. Eu ainda era bebê quando ele foi destacado para Felipe Schmidt”, o que teria ocorrido entre 1953 e 1954.
Antônio também trabalhou destacado na localidade de Rio dos Poços. Nesse lugar, existia uma vila com diversos moradores. O local sediava uma grande madeireira, em torno da qual girava o quotidiano de boa parte dos moradores. Em Rio dos Poços, Antônio trabalhou no início dos anos 1960. “Eu lembro, porque foi lá que eu iniciei o primeiro ano do primário”, afirma Edilson. O lugar não possuía estrutura própria para destacamento. Antônio residia com a família no mesmo local onde prestava o serviço policial. “Ele tinha um cavalo preto, que era a coisa mais linda. Chegava nos lugares, deixava o cavalo solto e ele não fugia”.
Depois de cerca de dois anos, foi transferido para o distrito de Paula Pereira. “Lá, eu continuei meus estudos. A gente morava em uma casa que também funcionava como destacamento e cadeia. A cadeia era um quarto vazio, sem grades, mas que tinha uma travessa de madeira pregada na janela pelo meu pai”, afirma Edilson. Os prisioneiros não eram definitivos. Esses deviam ser conduzidos para sede, em Canoinhas. “A maior parte dos presos era gente que se embriagava e aprontava. Meu pai deixava preso até curar o porre e depois liberava”.
Um episódio marcante da infância de Edilson ocorreu nessa localidade. Em certa ocasião, seu pai estava no bar do Ludovico Glinski, quando dois sujeitos embriagados começaram a provocá-lo. Antônio prendeu ambos e os conduziu à “cela” no próprio destacamento. Um deles acalmou-se e foi liberado. O outro, no entanto, “não parava de incomodar”. Diante disso, “meu pai precisou levá-lo à cadeia pública em Canoinhas, a 36 quilômetros dali. Como não havia viatura, amarrou o homem no fueiro da carroça e seguiu viagem, apresentando-o na cadeia”. O episódio ilustra a dificuldade típica do período e os riscos enfrentados pelos policiais. O armamento à disposição se resumia a um revólver calibre .38 e uma tonfa conhecida como “maria-preta”.
Importante destacar que sobre esse curioso fato, a pedido do 3ºBPM, o querido amigo Pedro Penteado do Prado, já entrevistado nesta série, brindou-nos com a elaboração de uma magnífica charge, que acompanha essa entrevista para fins de ilustrá-la. Após o período em que atuou destacado em Paula Pereira, Antônio retornou à sede do batalhão “quando eu passei a estudar no Almirante Barroso”, afirma Edilson. Logo na sequência, por certo período, trabalhou destacado em Monte Castelo. Nesse tempo, “quem comandava o batalhão era o tenente-coronel Edson Corrêa, o subcomandante era o major Guido Zimmermann e o comandante da companhia era o capitão Almeida”. Após servir em Monte Castelo, retornou à sede do batalhão.
Na fase final da carreira, Antônio permaneceu no 3º BPM, atuando no açougue, rancho (refeitório) e lavanderia. No tempo em que esteve na ativa, incentivou vários amigos a ingressar na Corporação, como Aristóteles, Vergílio dos Anjos, Nivaldo (“Nivardão”, de Paula Pereira) e Valmor Leite. “Meu pai se dava bem com todo mundo e tinha o respeito de todos”, afirma Edilson. “Ele não se arrependeu de ter vindo para a PM. Tinha muito orgulho de ser o primeiro civil a ingressar na 3ª Companhia Isolada. E queria muito que os filhos seguissem o mesmo caminho”.
Sob incentivo do pai, Edilson fez o curso de formação de soldados no 3ºBPM, entre os anos de 1971 e 1972. Serviu na Corporação até por volta de 1977, quando deixou a Polícia Militar para seguir carreira civil. Agora, relembra com emoção e orgulho a trajetória do pai. Antônio Ferreira de Souza ingressou na reserva remunerada em 12 de maio de 1977 e faleceu em 4 de janeiro de 2003, deixando como legado sua história de vida ligada às origens do 3º BPM.