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Antenor Gonçalves. 2025 (Fotos: Divulgação)
Dando continuidade à série de entrevistas com veteranos do 3º Batalhão de Polícia Militar (3ºBPM), o décimo entrevistado é o cabo veterano Antenor Gonçalves, que trilhou seu caminho vivenciando os desafios e transformações da Polícia Militar ao longo das décadas.
Natural de Santa Cecília/SC, Antenor passou a infância sob os cuidados do avô, Ciro Gonçalves Sobrinho, funcionário do 2º Batalhão Ferroviário (Batalhão Mauá) e primo do lendário Aleixo Gonçalves, figura histórica associada à Guerra do Contestado. Seu avô residia na localidade de Ubatã, a aproximadamente 8 km de Santa Cecília, no sentido Mafra-Lages, onde prestava serviços como veterinário, cuidando dos animais do Exército.

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3ºBPM. Formatura do Curso de Formação de Soldados. Ano de 1966 (Fotos: Divulgação)
Aos 15 anos, Antenor mudou-se com a família para Papanduva. Nesse tempo, por um período, trabalhou na construção da estrada de ferro entre Rio Negro/PR e Lages/SC, em uma companhia chamada Bemara. Ainda morando em Papanduva, aos 21 anos, foi incentivado por seu primo Isaltino Gonçalves, já policial militar, a prestar o concurso da PM.
Em 1966, participou do processo seletivo com outros conhecidos de Papanduva, realizando as provas teóricas e psicotécnicas em Mafra — então apenas um destacamento policial, vinculado ao 3ºBPM, localizado onde hoje funciona o presídio. Os exames físicos e médicos foram realizados na sede do batalhão, em Canoinhas. “Nós éramos 14 candidatos de Papanduva, apenas eu consegui ser aprovado”.
Ingressou na Polícia Militar no dia 10 de janeiro de 1966. A formação ocorreu no próprio batalhão e foi dividida entre reservistas de 1ª categoria, oriundos do Exército, os quais “por já terem conhecimentos militares, faziam um curso mais curto e já iniciavam as atividades”, e reservistas de 3ª categoria, como Antenor, que passaram por cerca de seis meses de curso.

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3ºBPM. Formatura do Curso de Formação de Soldados. Ano de 1966. Maj Roque de Oliveira Mendes em destaque (Fotos: Divulgação)
A turma contava com aproximadamente 60 alunos, entre eles nomes como Mário Biluk, José Drachinski, Dorival Bueno, Pedro Novack e José Henrique de Carvalho (pai de Adelmo, da garagem da prefeitura). “Muitos deles, tempos depois, fizeram o curso de sargentos”. Possui diversas fotos da sua formatura, que ocorreu na antiga quadra de esportes do quartel, onde hoje fica o fórum da comarca.

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Antenor é o primeiro da E para a D. Entre os identificados da foto estão Sd Nogueira Sd Godoi Cb Franco Sd Prestes Sgt Eloi Lopes (Fotos: Divulgação)
Na época, o comandante do batalhão era o major Roque de Oliveira Mendes. Entre os oficiais do período estava o então tenente Carlos Alberto de Araújo Gomes, pai do coronel Carlos Alberto de Araújo Gomes, comandante-geral da PMSC entre 2018 e 2020. São esses oficiais que aparecem na formatura do curso de formação.

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3ºBPM. Formatura do Curso de Formação de Soldados. Ano de 1966. À esquerda o Tenente Carlos Alberto de Araújo Gomes (Fotos: Divulgação)
Logo após a formatura, foi transferido para Curitibanos. “Era um tempo difícil. Não tinha viatura, fardamento, armamento, comunicação, nem reforço.” Curitibanos era a sede da 3ª Companhia do 3º Batalhão. “Fiquei em Curitibanos 15 dias e fui destacado para Lebon Régis”. Neste município, havia um colega de curso, Airton Ribeiro Dias. Permaneceu em Lebon Régis por dois anos e oito meses.

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3ºBPM. Formatura do Curso de Formação de Soldados. Na antiga quadra de esportes. Ano de 1966 (Fotos: Divulgação)
Lembra-se que nesse município houve a morte de cinco policiais militares e de um delegado de polícia, todos em serviço. Três desses policiais foram mortos antes da chegada de Antenor à cidade. Recorda-se que um dos episódios ocorreu no Hotel do Rissol, quando dois soldados tentaram abordar um indivíduo que portava uma arma de fogo. “Ele não queria se submeter à abordagem e entrou em luta corporal com os policiais.” Em meio à luta, o filho do abordado, que o acompanhava, tomou a arma de um dos policiais e com ela executou os dois militares.

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3ºBPM. Formatura de promoção a cabo. Antenor Gonçalves em 1993 (Fotos: Divulgação)
Outro caso envolveu um soldado que se deslocou até uma serraria na localidade de Rio dos Patos com a finalidade de realizar uma prisão. Durante a diligência, foi assassinado. Esses registros integram o histórico de ocorrências daquele período na área de atuação do 3º BPM. “Lebon Régis fazia parte do 3ºBPM, assim como Lages, Campo Belo, São José do Cerrito e até Campos Novos — que ainda era da companhia de Curitibanos. A partir daí, começava a área do batalhão de Chapecó.”

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3BPM. Fundos do quartel. Ano de 1966 (Fotos: Divulgação)
No dia 22 de abril de 1968, retornou à sede da companhia em Curitibanos, permanecendo por cerca de seis meses. Em certo dia, ouviu por acaso o sargento Eurides Pacheco, então sargenteante da companhia, conversando por telefone sobre duas vagas em São José do Cerrito. “Fazia três anos que não tinha policial lá. Era um lugar muito violento. Mesmo assim, fui voluntário.” Seu colega, João Almeida de Oliveira, voluntariou-se para acompanhar Antenor. O sargento Pacheco ainda disse: “O lugar é perigoso. O primeiro homem que matei naquela região, em Campo Belo, foi meu próprio irmão.”

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3ºBPM. Formatura do Curso de Formação de Soldados. Juramento. Ano de 1966 (Fotos: Divulgação)
Em São José do Cerrito, os desafios eram grandes: “só havia um delegado paisano lá e na cidade não tinha mais que dez carros.” A população se locomovia a cavalo, e os estabelecimentos comerciais, como hotel e restaurante, mantinham troncos de madeira na entrada — os famosos “mourões de amarrar” — para que os clientes prendessem seus animais. “A madeira chegava a ficar lisa de tanto que era usada.”
Após cerca de um ano, retornou a Curitibanos, sendo, logo em seguida, transferido para Papanduva. Conseguiu essa transferência por haver permutado com seu colega Luiz Felipe de Bitencourt, o qual, tempos depois, encontrou em Papanduva vendendo uva, pois havia pedido baixa da PM.

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Desfile de 7 de setembro do ano de 1966. Em frente ao 3ºBPM. O oficial que aparece na foto é Carlos Alberto de Araújo Gomes. O corneteiro é o Soldado Sebastião Machado (Fotos: Divulgação)
Era o ano de 1969. O destacamento localizava-se na rua Papa João XXIII, onde atualmente existe uma floricultura. As guarnições eram compostas por dois policiais. Cada dupla trabalhava um dia e folgava outro. A escala era executada durante o dia, mas à noite “a gente ficava de sobreaviso e quando tinha alguma diligência, todo mundo se reunia para cumprir.”

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Formatura 3ºBPM. Cb Passos ao centro. Cb Prestes à direita (Fotos: Divulgação)
O comandante do destacamento era o sargento Jair Silva, que também atuava como delegado de polícia. Passaram também pelo comando os sargentos Ilson Vicente de Lima, Jamir Carvalho e Valter Domingues de Andrade. Possui foto de uma diligência realizada na localidade de Pinhal, nesse período. Possui uma foto do efetivo em frente ao destacamento/delegacia e outra foto de uma diligência realizada na localidade de Pinhal, nesse período.

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Da E para a D. Sd Cordeiro Cb Franco e Cb Antenor Gonçalves (Fotos: Divulgação)
Foi em Papanduva que Antenor enfrentou a ocorrência mais perigosa de sua carreira: a abordagem a um grupo de bandoleiros, aparentados entre si, de notória periculosidade. A guarnição naquele dia era composta por quatro policiais: o sargento Jair Silva, o cabo Adálio Ferreira, o soldado Otávio Gonçalves e o próprio Antenor. A equipe foi mobilizada após denúncias de que o bando estava armado e causando tumulto. “Recebemos a informação de que era gente perigosa, que costumava andar bem armada.”
Para a abordagem, decidiram dividir-se em duas duplas para cercar a residência. “Eu e o sargento fomos por um lado da casa, e o cabo Adálio e o soldado Otávio foram pelo outro.” Ao se aproximarem da casa, ouviram o início de uma troca de tiros. Antenor se aproximou da entrada da residência quando avistou um homem levantando o que parecia ser um facão. “Eu segurei ele pelo pulso, achei que era um facão, mas era uma foice. Ele me golpeou no pescoço. Cortou a gola da minha farda, mas por sorte não me perfurou.” Em seguida, recebeu mais dois golpes: “Um me acertou o pulso e feriu o meu dedo polegar. O outro cortou meu coturno na altura da perna.”

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Marcha do Curso de Formação de Soldados de 1966. Fração da turma que era reservistas de 1ª categoria. Ao Centro, em destaque, Sargento Jair Silva (Fotos: Divulgação)
Dentro da residência estavam quatro indivíduos. Um fugiu pelos fundos, um foi preso pela dupla que cercava o outro lado da casa, um ficou ferido, e o patriarca do bando foi morto no confronto. Durante o tiroteio, o cabo Adálio Ferreira foi baleado. O sargento Jair determinou que o soldado Otávio permanecesse vigiando os detidos e deslocou-se para socorrer Adálio. Mesmo ferido, Antenor se prontificou a continuar: “Falei que estava em condições e me ofereci para ficar junto com Otávio.” O cabo Adálio recebeu atendimento médico e sobreviveu.
Alguns anos depois, o mesmo bando retornou à cidade com a intenção de vingança. “Naquele dia, havia uma reunião de serviço no destacamento, com seis policiais presentes. Nós percebemos que eles iriam fazer uma emboscada e ficamos na frente do destacamento. Como estávamos em 6 e eles em 3, desistiram do ataque.”

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Ocorrência na localidade de Pinhal. Papanduva. Por volta de 1971. Da E para a D Sd Otávio Gonçalves Cb Adálio Ferreira Sd Francisco Gochinski. Antenor foi o autor da foto. (Fotos: Divulgação)
Algum tempo depois, o bando fez uma emboscada para policiais em Santa Cecília. Assassinaram dois policiais militares e balearam um terceiro. As vítimas fatais foram o sargento Juvenil e o soldado Dorvalino, este último já havia requerido a reserva, mas costumava frequentar o destacamento e, naquela ocasião, decidiu acompanhar a ocorrência por iniciativa própria. O cabo Cordeiro foi baleado, mas sobreviveu aos ferimentos.
Na ocorrência, um dos integrantes do bando foi morto. Outro, mesmo baleado, conseguiu se esconder e foi preso posteriormente. Um terceiro fugiu. “Eles se prepararam para emboscada. Cada um portava dois revólveres, além de facas, enquanto os policiais dispunham de apenas um revólver cada.” De acordo com Antenor, “naquela ocorrência, foram disparados mais de cinquenta tiros.” Isso ilustra o cenário de extremo perigo vivenciado pelos policiais da época.

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Papanduva. Da E para a D Sargento lson Vicente de Lima Cabo Adálio Ferreira Soldado Otávio Gonçalves Soldado Antenor Gonçalves Sd Isidoro Kieski Sd Francisco Go. Década de 1970 (Fotos: Divulgação)
Em 17 de setembro de 1974, Antenor foi transferido para a sede do 3º BPM, em Canoinhas. “Nesse período os oficiais do batalhão eram o tenente-coronel Edson Corrêa, major Guido Zimermann (que, anos depois, chegou a ser comandante-geral), capitão Almeida (era o comandante da companhia), tenentes Sid e Gildo.” Na sede do 3ºBPM, trabalhou em diversos setores: policiamento a pé, radiopatrulha, guarda e, por mais de sete anos, na delegacia. Atuou com diversos colegas, entre eles, os irmãos Haroldo e Pedro Pientchokoski, o cabo José e o cabo Júlio Gritz.

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Da E para a D Cb Antenor Gonçalves e Cb José Piechontcoski (Fotos: Divulgação)
Antenor ainda se recorda da estrutura do batalhão nos anos 60 e 70, que contava com açougue, mercado, enfermaria, barbearia, marcenaria, alfaiataria e sapataria. “Era praticamente uma cidade. Lembro que o Dorival Bueno era o alfaiate e o cabo Godofredo Vieira era o sapateiro, que confeccionava botas sob medida para os policiais.”

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Antenor Gonçalves. Década de 1980 (Fotos: Divulgação)
Entre as histórias engraçadas, Antenor relembra com bom humor um episódio que envolveu dois colegas do batalhão: o soldado Durval Alves e o soldado Francisco Nogueira Pereira. Segundo conta, “Durval criava um porco para engorda nos fundos de sua casa. Ele costumava levar para o animal a lavagem (restos de comida) do refeitório do quartel. Todo fim de serviço, lá ia o Durval com o balde de lavagem.”
Certo dia, o soldado Nogueira resolveu pregar uma peça no amigo. “Ele colocou uma boa quantidade de pimenta na lavagem e ficou só esperando o resultado.” O animal, como de costume, devorou seu alimento — mas, dessa vez, algo estranho aconteceu. “O porco esvaziou o cocho d’água. E aí começou a fazer um barulho com a respiração, como se estivesse com calor, pedindo mais água. Parecia até que bufava!”, relata Antenor, rindo. A pegadinha só foi revelada depois, quando Nogueira, caindo na gargalhada, contou o que tinha feito.

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Colegas do curso de formação de soldados. 3°BPM. Ano de 1966. (Fotos: Divulgação)
Antenor foi para a reserva em 5 de outubro de 1995. “Mesmo na reserva, sonhei várias vezes que estava fardado, engraxando o coturno, como se ainda estivesse na ativa.” Hoje, o cabo Antenor Gonçalves relembra sua trajetória com orgulho, honrando a memória dos que tombaram em serviço e agradecendo pelas amizades construídas ao longo da carreira.

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Antenor Gonçalves e sua esposa Bernadete K Gonçalves. 2025 (Fotos: Divulgação)
Por capitão Diego Gudas
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Papanduva. Da E para a D Sargento lson Vicente de Lima Cabo Adálio Ferreira Soldado Otávio Gonçalves Soldado Antenor Gonçalves Sd Isidoro Kieski Sd Francisco Go. Década de 1970 (Divulgação)
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Ocorrência na localidade de Pinhal. Papanduva. Por volta de 1971. Da E para a D Sd Otávio Gonçalves Cb Adálio Ferreira Sd Francisco Gochinski. Antenor foi o autor da foto. (Divulgação)
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Marcha do Curso de Formação de Soldados de 1966. Fração da turma que era reservistas de 1ª categoria. Ao Centro, em destaque, Sargento Jair Silva (Divulgação)
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Formatura 3ºBPM. Cb Passos ao centro. Cb Prestes à direita (Divulgação)
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Desfile de 7 de setembro do ano de 1966. Em frente ao 3ºBPM. O oficial que aparece na foto é Carlos Alberto de Araújo Gomes. O corneteiro é o Soldado Sebastião Machado (Divulgação)
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Da E para a D. Sd Cordeiro Cb Franco e Cb Antenor Gonçalves (Divulgação)
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Da E para a D Cb Antenor Gonçalves e Cb José Piechontcoski (Divulgação)
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Colegas do curso de formação de soldados. 3°BPM. Ano de 1966. (Divulgação)
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Antenor Gonçalves. Década de 1980 (Divulgação)
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Antenor Gonçalves e sua esposa Bernadete K Gonçalves. 2025 (Divulgação)
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Antenor é o primeiro da E para a D. Entre os identificados da foto estão Sd Nogueira Sd Godoi Cb Franco Sd Prestes Sgt Eloi Lopes (Divulgação)
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3ºBPM. Formatura do Curso de Formação de Soldados. Na antiga quadra de esportes. Ano de 1966 (Divulgação)
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3ºBPM. Formatura do Curso de Formação de Soldados. Juramento. Ano de 1966 (Divulgação)
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3ºBPM. Formatura do Curso de Formação de Soldados. Ano de 1966 (Divulgação)
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3ºBPM. Formatura do Curso de Formação de Soldados. Ano de 1966. Maj Roque de Oliveira Mendes em destaque (Divulgação)
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3ºBPM. Formatura do Curso de Formação de Soldados. Ano de 1966. À esquerda o Tenente Carlos Alberto de Araújo Gomes (Divulgação)
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3ºBPM. Formatura de promoção a cabo. Antenor Gonçalves em 1993 (Divulgação)
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3BPM. Fundos do quartel. Ano de 1966 (Divulgação)
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