Recentemente, no dia 5 de setembro do corrente ano, nos despedimos de um dos ícones do cinema nacional, o cineasta, professor e historiador Silvio Tendler, vítima de infecção generalizada, decorrente de uma neuropatia diabética, doença degenerativa e que compromete o sistema nervoso. Considerado um dos melhores cineastas documentaristas políticos do Brasil, Tendler nasceu no Rio de Janeiro em 12 de março de 1950. Desde jovem, inquieto com a realidade brasileira e mundial de sua época, era entusiasmado pela cultura nacional e pela necessidade de difundir conhecimentos à população, e, nesta direção, ficou conhecido por denunciar e indignar-se com as injustiças socioeconômicas. Tais condições eram decorrentes de um processo histórico, político e social de colonialismo, reproduzido sistematicamente pelas elites escravocratas deste país. Silvio iniciou sua trajetória no movimemnto cineclubista ainda na década de 1960. Em 1968, liderou a Federação de Cineclubes do Rio de Janeiro. Desde cedo, Silvio comprometeu-se com as lutas populares, na perspectiva de propor, por meio da arte, mais especificamente pelo cinema, um projeto nacional e democrático de desenvolvimento. Por estas iniciativas populares, entre outras, foi perseguido pela famigerada ditadura militar vigente entre os anos 1964 e 1984, e teve de sair do Brasil, buscando asilo no Chile e depois na França, onde graduou-se em História e Cinema. Foi diretor de filmes que recuperaram, marcaram e valorizaram a história, sobretudo acerca da memória, de biografias políticas e da realidade brasileira. Foi um cidadão e cineasta comprometido com as causas populares, com a justiça social e com um projeto soberano para o país através da arte cinematográfica. Defendeu e viveu intensamente o cinema como uma das formas de arte que permite levar cultura e conhecimentos à população. Dentre os seus trabalhos cinematográficos mais importantes podemos citar a trilogia dos presidentes da República brasileira: Jango (1984), referente a João Belchior Goulart; Os anos JK – uma trajetória política (1980), sobre Juscelino Kubitschek, e Tancredo, a Travessia (2011), relativo ao ex-presidente Tancredo de Almeida Neves. Além de uma centena de filmes e séries, destacam-se algumas de suas obras: O Mundo Mágico dos Trapalhões (1981); Josué de Castro – cidadão do mundo (1994); Encontro com Milton Santos: o mundo global visto do lado de cá (2006); Glauber o filme, labirinto do Brasil (2003); Castro Alves – Retrato falado do poeta (1999); Utopia e barbárie (2009); Oswaldo Cruz – o médico do Brasil (2003); O veneno está na mesa (2011); O fio da meada (2015); Dedo na ferida (2017), e tantos outros. No ano de 1981, Silvio Tendler criou a Caliban Produções Cinematográficas. Ficou conhecido como o “Cineasta dos vencidos”, o “Cineasta dos sonhos interrompidos” ou, ainda, “O cineasta da utopia”. Recebeu homenagens mundo afora em razão da qualidade técnica e política dos seus trabalhos cinematográficos. Transformou o cinema numa ferramenta de resistência, luta e condição didática, pedagógica e possível de difusão de cultura, conhecimento, empoderamento e conscientização popular social, política e econcômica. Seu objetivo e ardente desejo era popularizar o cinema e, por consequência, o conhecimento. Por isso, podemos dizer que ele deu vez e voz a muitas histórias de intelectuais, pesquisadores e artistas, silenciadas pela horrenda repressão da ditadura militar, ou de algumas figuras fundamentais, que contribuíram para elevar os níveis culturais da população brasileira. Dito de outro modo, os filmes e documentários do cineasta Silvio Tendler proporcionaram e continuam proporcionando aos expectadores a possibilidade de compreender o Brasil e o mundo nos contextos históricos, políticos, econômicos e ambientais, entre outros, bem como, a própria realidade. Em nota de pesar pelo passamento de Silvio Tendler, a Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB) assim se manifestou: “Cineasta, Professor, Historiador, intelectual e militante da imagem, Tendler deixa um legado que transcende o cinema e se inscreve na história brasileira. Suas câmeras foram instrumento de leitura do espaço e ferramenta de análise crítica. Sua tragetória em defesa da arte como direito humano e da comunicação popular como estratégia, sempre será uma inspiração para uma geografia comprometida com a transformação social. Tendler nos ensinou que o território também se revela nas imagens, seus filmes narraram histórias e mapearam conflitos, denunciaram desigualdades e iluminaram resistências, foi um interprete sensível do Brasil em disputa” (AGB, 5/9/2025). Se, no decorrer da sua vida, por meio do cinema, Silvio produziu cinebiografias, agora este modesto artigo de tributo quer valorizar, enaltecer e biografar minimamente a história e a memória, mesmo que póstuma, deste destacado cineasta brasileiro. Cabe a todos nós ajudarmos na ampla divulgação das suas obras, como uma das possibilidades de contribuir para a formação humana, histórica e científica da sociedade brasileira. Silvio nos deixou o legado de um cidadão ativo e engajado em prol do bem comum, especialmente na área do cinema; igualmente, de um cidadão que expressava afetividade e humanismo para a sociedade brasileira. Grato, Silvio, por nos oferecer primorosas obras cinematográficas, as quais continuarão sendo utilizadas como referências para a compreensão da constituição da sociedade brasileira, e para que continuemos buscando a construção de uma sociedade mais culta, justa e democrática!

Autores:
Jairo Marchesan. E-mail: [email protected]
Sandro Luiz Bazzanella. E-mail: [email protected]

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