Convênio com a Fundação Catarinense de Cultura resultou em um processo de digitalização das mais de 3.500 edições do CN

No fim deste mês de maio, o Correio do Norte completa 76 anos de circulação. Ao longo desse período, o CN registrou importantes momentos da história do Planalto Norte Catarinense, e também, do Estado, do país e até mesmo, notícias internacionais. Em 76 anos, muita coisa mudou. Os costumes da população, o acesso e a maneira de divulgas as informações, a grafia, a qualidade da impressão e das imagens, o formato do jornal e até mesmo as linhas editoriais.

Ao longo da história do CN, foram noticiados diversos fatos históricos, como a efetivação de obras sonhadas pela população, o avanço das tecnologias, os desdobramentos da política regional, e até mesmo, o surgimento de novas cidades no Planalto Norte: Três Barras, Major Vieira, Papanduva, Irineópolis e Bela Vista do Toldo, são exemplos de cidade de circulação do Correio do Norte, que foram emancipadas após a fundação do Correio do Norte.

Saindo do conteúdo jornalístico, as páginas do Correio do Norte escritas ao longo desses 76 anos são uma verdadeira viagem no tempo. Lançamentos de carros que hoje são considerados clássicos do automobilismo, comerciais de empreendimentos que marcaram época na região e hoje não existem mais, anúncios sobre a inauguração de estabelecimentos que hoje são cinquentenários, além dos classificados enviados pelos leitores, negociando os mais variados objetos que hoje facilmente seriam peças de museu.

O jornalismo impresso carrega consigo um ar de nostalgia, e quando se trata de um jornal de 76 anos, o aspecto histórico é ainda mais presente. O CN conta com famílias de leitores que já estão na quarta geração, que aguardam ansiosamente a sexta-feira para acompanhar as notícias e as reportagens que representam a realidade das pessoas do Planalto Norte.

Toda essa história escrita pelos editores, repórteres e jornalistas que passaram pelo CN ao longo de todo esse período, hoje está disponível para a população através da Hemeroteca do Estado de Santa Catarina, que consiste em um acervo digital, hospedado na internet, que permite a realização de buscas e pesquisas através de smartphones ou computador com acesso à internet. Essa digitalização do acervo do CN foi permitida através de um convênio firmado com a Fundação Catarinense de Cultura, e o processo, iniciou em 2017, sendo concluído no ano passado.

No mês de abril, o bibliotecário e coordenador técnico da Hemeroteca Digital, Alzemi Machado, visitou o Correio do Norte para realizar a entrega simbólica do acervo digitalizado à equipe, e conversou com a reportagem sobre como foi o processo de digitalização, como funciona a hemeroteca e a importância de preservar a história de Santa Catarina, através do Correio do Norte, e de jornais de outras regiões também presentes na hemeroteca.

“A hemeroteca no sentido inicial da palavra, consiste em recortes de jornais ou partes de jornais, que juntos, formam uma hemeroteca. Mas esse termo começou a se ampliar, e hoje, consiste em uma coleção completa dentro do seu acervo de periódicos, e como jornal também é um periódico, então a Hemeroteca Catarinense é um conjunto de jornais dos séculosXIX, XX e XXI. Os jornais eles retratam em miniatura a vida social de uma comunidade.Ao ler um jornal, você vai conseguir vislumbrar diversos cenários e ambientes que constituem uma sociedade: o mundo político, o mundo religioso, o mundo social, o mundo das relações de trabalho e das organizações sindicais, trabalhadores, empresários, as alterações que vão acontecendo no cenário urbano e rural, ruas que vão surgindo, ruas que vão desaparecendo, comunidades que vão se constituindo. A partir do século XX, os jornais começam a retratar as pessoas que na realidade são aquelas que constituem a sociedade. Então, é um pedacinho da comunidade retratada todos os dias, com uma importância muito grande, principalmente para a memória.

MEMÓRIA DAS CIDADES

A imprensa catarinense tem quase dois séculos de histórias e registros, e boa parte desse acervo, está presente na hemeroteca. Especificamente sobre Canoinhas, o bibliotecário conta que ao ler sobre a extinta Biblioteca Infantil de Canoinhas (BIC), ficou fascinado“A imprensa catarinense começa em 1831,quando surge o primeiro jornal, que é ‘OCatharinense’.Então tivemos diversas cidades que começaram a constituir imprensa a partir da metade do século XIX.Em Canoinhas, a imprensa já chega no século XX, e aqui também tiveram diversos jornais, alguns que tiveram a vida muito curta e outros que tiveram a vida muito longa, como é o caso do jornal Correio do Norte, que já está com mais de 70 anos e ainda com essa vida, com essa presença. Quando comecei a olhar e analisar o jornal Correio do Norte eu voltei a década de 40, e em cada edição que a gente vai digitalizando, chama a atenção algumas coisas, alguns fatos, os prefeitos, as eleições, os partidos, os clubes de futebol que aqui também surgiram, as pessoas, e uma coisa que me chamou a muita atenção é que Canoinhas tinha uma biblioteca infantil, e biblioteca infantil no século XX, principalmente no período que foi constituído aqui, é algo revolucionário, e vocês podem ter certeza, que a cidade de Canoinhas ganhou muito ao ter uma biblioteca infantil. Eu sou da área de biblioteca, sei que isso começa a acontecer em São Paulo, e Florianópolis em Joinville, por exemplo, não tinham biblioteca infantil nessa época, mas Canoinhas já tinha. E o jornal sempre registrou a movimentação da sua biblioteca infantil.Com certeza influenciou positivamente as gerações que vieram depois, então, esse papel o jornal também tem, que é o social de levar e transformar todo o conjunto de uma sociedade”

CN: Qual foi o ponto de partida para começar a digitalização desses jornais, e de onde surgiu a ideia da Hemeroteca de Santa Catarina?

ALZEMI MACHADO: “A hemeroteca surgiu de uma necessidade vital. A biblioteca pública é depositária de livros, revistas e também jornais. A Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina completa no dia 31 de maio, 169 anos, sendo a instituição cultural mais antiga em atividade em Santa Catarina e a sexta biblioteca mais antiga do gênero no Brasil, então, ela dispõe de uma riqueza documental principalmente voltada ao que chamamos de ‘setor de Santa Catarina’ muito grande e valiosíssimo, temos jornais materiais desde 1831, e  muitos desses jornais, não só os do século XIX, mas outros mais recentes, começam a ter alguns problemas diante da sua utilização, por serem papel, que tem uma vida muito reduzida e precisa estar bem acondicionado, precisando fazer algumas conservações com temperatura e umidade controladas, e boa parte desses jornais estavam começando, muitos deles até sendo interditados, ou seja, sem condição de uso para pesquisa. Daí começou a surgir a necessidade de entrarmos efetivamente no mundo digital, não somente para atender a necessidade de guardar esses jornais, mas também para ampliar a capacidade de acesso, por que, com internet e as novas tecnologias, a informação perpassa. E a missão de qualquer biblioteca, principalmente da biblioteca pública, é levar até a população o conhecimento.”

DEMOCRATIZAÇÃO DA INFORMAÇÃO

“Temos uma biblioteca estadualizada, logo o cidadão de Canoinhas, de São Miguel do Oeste, de Criciúma ou de qualquer cidade do Estado precisa ter o direito a esse acesso. Mas como ele vai ter esse acesso se ele tem restrições de utilização, tendo que se locomover até Florianópolis? Isso tem toda uma logística e todo um custo, e a hemeroteca digital permite a partir da digitalizações o alcance do cidadão, que com o uso de um celular ou computador doméstico, e o acesso à internet, ele pode fazer suas pesquisas de casa, no horário de lazer, no horário de folga, e sem restrição do dia da semana ou à noite, pois temos muitos pesquisadores, por exemplo, que fazem acesso só durante a madrugada. Então isso rompe as barreiras, traz uma amplitude e demo democratiza o acesso. Em resumo, possibilita a conservação do material e amplia o acesso, e hoje, já temos 1.007 títulos digitalizados de jornais catarinenses de mais de 50 cidades, o que dá um volume de aproximadamente 850 mil páginas já disponíveis gratuitamente ao pesquisador ou um usuário, que em um clique, consegue ter o acesso a esse mundo digital maravilhoso, em diversas épocas do ano e séculos passados, atendendo as suas necessidades.”

CN: Como funciona o processo de digitalização dos jornais?

ALZEMI MACHADO:“O processo de digitalização dos jornais começou no ano de 2017, quando nós assinamos o termo de sessão dos direitos para poder digitalizar alguns jornais que ainda não estão em domínio público, que precisavam da autorização, ou do proprietário, ou da família, e foi um desafio.”

O bibliotecário destacou a importância da preservação desse acervo de jornais, que retratam também, a história do interior do Estado. “A biblioteca pública tem uma relação histórica com o interior, pois muitas coisas são concentradas em Florianópolis, e como nós temos uma imprensa regionalizada muito forte em Santa Catarina, eu acho que a gente teria que atender também essas outras cidades por uma série de razões, principalmente de recursos, pois muitas prefeituras, por uma série de razões, não mantém suas bibliotecas, mas a gente entende isso. E também, não tínhamos (na biblioteca), os acervos completos dos jornais dos jornais, então esse processo de digitalização também nos permitiu ampliar o nosso acervo, que é uma verdadeira viagem ao tempo.”

PANDEMIA

“O nosso projeto inicial era de cinco anos, mas levou um tempo a mais por conta da pandemia, e tivemos que ficar trabalhando online, e nesse período, não estávamos digitalizando”

PASSO A PASSO PARA A DIGITALIZAÇÃO

“O primeiro passo é uma higienização do material, tirando toda a sujidade, de maneira manual, depois, temos o processo de enquadramento desse jornal, onde tiramos as medidas da altura e largura de cada página, fazendo uma projeção na tela, e colocamos no scanner de alta resolução, que é o único scanner de grande porte que tem no Estado de Santa Catarina, que faz a captura de cada página em três segundos. As páginas, enquanto você está digitalizando, automaticamente são projetadas na tela do computador para que você possa acompanhar as imperfeições que podem surgir, que cortem, por exemplo, um pedaço de texto. Isso é o que chamamos de digitalização bruta, e depois, existe um outro processo, que é a criação das pastas. Então tem que ser separados em pastas os arquivos por edição, e depois, ainda é feita a edição, onde transportamos para o computador e é colocado o contraste, o brilho, os cortes padronizados e a possibilidade de ser realizada pesquisa por palavra-chave lá na base de dados. É gerado um PDF e inserido na coleção”

CN: Qual é o teu sentimento de saber que as gerações futuras terão acesso a um trabalho coordenado por você, e como você enxerga a importância de todo esse trabalho para a preservação da história do Estado de Santa Catarina?

“Eu vejo isso como um serviço que a gente presta para comunidade catarinense, pois a biblioteca pública é do Estado, então, é mantida pelos impostos e tributos pagos pelos catarinenses. A importância é a relevância da memória de você perpetuar com diversos suportes, permitindo que daqui há 50 anos, o cidadão possa voltar no tempo que ele não conviveu, e dali ele possa fazer as diversas leituras, reflexões e contextualizações E isso tem uma importância muito forte para a memória regional e também para nossa identidade. Eu acho que isso é muito importante, as identidades que vão se construindo com o povo daquela determinada região,então, eu acho que a grande contribuição é realmente para os fins históricos, e a hemeroteca cumpre esse papel.”


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